Vemos pela internet
manifestações liberais, em defesa do liberalismo, em nome do pensamento livre,
e de repente, não mais que de súbito, uma denúncia contra a decisão do Supremo,
considerando que a interrupção da gravidez até o 3º mês não configuraria o tipo
do crime de aborto.
Uma pergunta tola: “Se
o feto humano não é um ser humano, então o que ele é?”
Sim, a pergunta é
tola, porque durante a gestação o nascituro passa pelas fases de zigoto,
embrião e feto. Obviamente, dependendo do ponto de vista filosófico, teológico
e ontológico que se parta, a resposta a uma pergunta tendenciosa, terá
diferentes respostas.
No entanto, antes
de saber o que é um feto, temos de saber o que é um ser humano! A vida humana
não tem dignidade distinta da vida de qualquer outra forma existente na Terra,
em princípio, e no Universo em potencial.
A vida é um
patrimônio comum de todos os vivos, sejam eles primatas humanos, não humanos,
mamíferos, répteis, insetos e o que for. A vida tem a mesma dignidade, a mesma
premência e se caracteriza pela mesma contingência em todos os seres vivos.
Alguns liberais, em
economia, são extremamente conservadores e por vezes reacionários do ponto de
vista político, social e da moral. Porém, ser liberal exige uma radicalidade de
pensamento, que é ser liberal em todos os aspectos pertinentes ao humano.
Quando se fala em
descriminalização do aborto, não se fala em aprovação, em incentivo, em
estímulo ou o que seria muito pior legalização. Não se trata de legalizar uma
conduta que está carregada de imensa dor, de desespero, de angústia, e está
sim, quer queiram ou não queiram todos os opositores, na esfera íntima da
consciência, dos valores e da moral de cada sujeito.
Defender a
descriminalização, não é defender o aborto, mas a liberdade de escolher ser
responsável por uma vida, pela construção de um ser humano, de se achar capaz
de construir um espaço minimamente saudável de vida, de afeto e de construção
de valores!
Quando da
Constituinte de 1988, deputados evangélicos propuseram colocar na Constituição
que todas as mulheres tinham o direito de engravidar. Bom, afastada a
bizarrice da proposta, há que se observar que isto é a positivação do óbvio, seria
como garantir a todo o brasileiro o direito de respirar. Mas e se uma mulher
não quer engravidar, se alguém não mais quiser respirar. Tanto é livre para
isso ou aquilo.
Sempre somos, nós
os defensores da descriminalização, confundidos com favoráveis ao aborto, com
imorais, com irreligiosos. Não o somos! Somos a favor da liberdade e do fim do
preconceito, da dor, do sofrimento, da culpa. Somos a favor da responsabilidade
da maternidade e da paternidade.
Mas, muitos nos
acusam de que o concepto não pediu para ser concebido, que ninguém pode
interromper uma vida para a qual contribuiu objetivamente para o surgimento.
Ora, o argumento é muito fraco. Quantas vezes agimos buscando um resultado, e
alcançamos outro, quantas vezes voltamos atrás, quantas vezes somos impulsivos
e não podemos arcar com as consequências de nossos atos e nos resta apenas
recuar?
Somos humanos,
erramos! Ao errar, nos tornamos mais próximos de Deus, por que ele é
misericórdia, é perdão infinito, é o que nos resgata de uma vida sem sentido,
sem objetivo determinado, mas, que encontra sua razão de ser no perdão!
A mutação
constitucional produzida pelo recente decisum
da Suprema Corte, traz luz à uma discussão obtusa, faz com que a sociedade
evolua, para melhor, porque minhas convicções não podem prevalecer sobre as
convicções de outras pessoas, a maternidade e a paternidade devem ser
responsáveis, o nascimento deve ser um prêmio, um troféu do amor!
Ser liberal é ser
consequente com a irredutível liberdade de cada ser humano em todas as esferas
que a ele são pertinentes. Ser liberal é acreditar que a consciência é o único
tribunal, a última instância de nosso agir, e a sociedade deve guardar uma
distância respeitosa, um limite taxativo, que a separe da minha esfera de
decisão privada.
Ser liberal é
acreditar na liberdade de cada um decidir pelo certo e pelo errado, sempre
arcando com as consequências e a responsabilidade de suas escolhas!