Caminhamos
pelo deserto de nós mesmos, convencidos que nossos direitos e
valores estendidos à universalidade, tornariam o mundo melhor.
Engano, um mundo à nossa imagem e semelhança seria tão somente a
repetição deste mundo, com todas as suas imperfeições e dúvidas.
Quando
assumimos soluções de compromisso, estamos sempre fazendo com que
todos os participantes restem inconformados, é apenas um armistício
que antecede o novo conflito. Não somos animais cordiais, não somos
sequer animais que se preocupam com a preservação da espécie,
porque apenas nos interessamos na preservação do indivíduo, de nós
como única possibilidade de síntese da humanidade toda.
Estamos
sempre em busca, mas esta busca, que é nada mais que a ansiedade
para o preenchimento do vazio que nos devora, será sempre e
necessariamente frustrada, porque somos o próprio vazio, somos poços
de desejos insaciáveis, somos faltas que se relacionam, numa
frenética dança ensandecida, que procura, procura, para nunca
achar.
Somos
deserto de nós mesmos, somos ausência, somos ruidosos em nossa
incapacidade de viver o silêncio aterrador da existência e sua
finitude.
Somos
criaturas condenadas a existir entre o acidente e a necessidade, num
lapso de tempo que consumimos sem qualquer objetivo, sem qualquer
grandeza, a não ser as pequenas miudezas da bondade. Estamos
condenados ao fracasso, travestido de sucesso. Buscamos sempre nossa
realização como afirmação sobre o outro. Somos a busca insana da
negação da alteridade.
Em
realidade somos um imenso e inconfundível teorema sem resposta, um
enigma estúpido, que não permite solução, porque apenas acidente
atávico de um fenômeno surgido do caos e não previsto. Sim, a vida
é apenas um acidente na história do universo, e um acidente que não
encontra razão a não ser em si mesma.
Gasta
energia, esforço, determinação apenas e tão somente para
perpetuar-se, como se o objetivo maior fosse tão e simplesmente
permanecer a vida, como existente nessa franja do Universo, como
possibilidade permanente, o que é desde sempre uma impossibilidade
perante a fugacidade e a precariedade do próprio Universo.
Não
somos cordiais, nem ao menos pios, somos os mestres dos conflitos,
sejam eles velados ou desvelados, somos amantes da guerra e do ódio,
não nos perdoamos e muito menos perdoamos aos outros, somos mares
profundos de preconceitos, tão plenamente consistentes, que não
lutamos por nossos objetivos, mas para aniquilar o objetivo dos
outros.
A
esquerda não se compraz em melhorar a vida de um humano idealizado,
mas sim de aniquilar as convicções, e com elas os próprios
sujeitos, que se pensam de direita. Os liberais ficam na inexplicável
situação de pensar o impensável, de conceber um mundo em que
esquerda e direita convivam sem preconceitos. A esquerda hoje é tão
ou mais nociva que a direita, porque herdou da direita reacionária
do século XIX todas as certezas, todas as verdades últimas, ou
seja, todas as mentiras que fazem do mundo um lugar de conflito e
desarmonia.
A
natureza não é harmônica, e não precisamos pensar muito sobre
isso, nós somos seres da natureza, somos animais bípedes e
implumes, carregando um grande e pesado cérebro, que consome uma
quantidade enorme de energia para pensar suas próprias
possibilidades de autodestruição.
Fazemos
todos os dias um esforço atávico para parecer diferentes do que
somos, para nos convencermos de que somos a criação mais perfeita e
pensada da natureza, sem que nos demos conta de que somos tão
frágeis, tão contingentes, tão insuficientes, quanto todos os
outros animais e seres vivos.
Penso e
repenso minha existência, de uma maneira compulsiva, buscando apenas
me esforçar por ser mais coerente, permanente, consistente com o que
acredito e defendo.
Pergunto-me,
por que temos de esconder o que somos e pensamos verdadeiramente? Por
que nos sujeitamos ao politicamente correto? Por que nos sujeitamos a
governos que nos dividem, esfacelam nossas identidades, criando
falsos pertencimentos, na busca de dividir para governar?
Ficamos
agarrados em conceitos espúrios. Gênero, raça, classe, culturas a
serem preservadas no neolítico, conceitos construídos e
retrabalhados para dividir a sociedade num imenso caleidoscópio
fragmentário, que impede a compreensão do todo e da percepção do
quanto estamos submetidos a falsas ideias, a falsas crenças, a
dogmas políticos que buscam a perpetuação da mediocridade contra o
mérito.
Quanta
estupidez reunida numa criatura insignificante que caminha oscilante
entre um acidente e uma necessidade, alheada de si própria, alienada
de seus pensamentos, dividida de seus irmãos, incapaz de erguer-se e
defender a liberdade de pertencer, todo e inteiro, ao outro amado,
com todos os seus preconceitos e conflitos!
Melhor do
que nós os bonobos, talvez por isso, estejamos condenando estas
maravilhosas criaturas à extinção, na medida em que, primatas como nós, os Homo paniscus, tão
próximos dos Homo sapiens neanderthalis
e dos Homo sapiens sapiens,
são condenados, por nossas torpezas a permanecerm tão distantes de Deus.