Sempre
fiquei intrigado com o título Natureza Morta. Pode a natureza
apresentar-se morta?
Apesar
de a morte ser uma constante, fazer parte da própria vida, a
natureza nunca estará morta, porque nela reside a totalidade, nela
está o mistério único, de um caso fortuito de criação, que não
buscava qualquer objetivo em particular, mas acidentalmente produziu
a consciência de si mesma.
Muito
se discute sobre o homem ser a criação mais especial e perfeita da
natureza, mas assim são também os chimpanzés, os bonobos, os
gorilas, os orangotangos, os elefantes, as baleias, os golfinhos e
toda forma de vida, que em milhares de anos, evoluíram a uma forma
que se adaptou à realidade deste grão de areia perdido no Universo.
Talvez
sejamos sim, o centro do Universo, mas apenas e tão somente, porque
somos capazes de concebê-lo, somos capazes de pensá-lo, de
compreender suas dores, seus rancores, sua insensatez de existir.
Cada
vez que nós homens e mulheres, descobrimos uma nova teoria para o
surgimento da matéria, há sempre uma nova, que gesta uma antítese,
negando aquela! Ainda não aprendemos que nossa limitada capacidade
cognitiva não pode fazer mais que apenas especulações. Que nossa
fragilidade temporal não nos permite olhar para o Universo mais que
um pequeno clarão de fração de milésimo de segundo.
Somos
um nada presunçoso, somos uma fragilidade que se julga forte, somos
seres que em um sopro podemos ser esmagados, acreditando que podemos
resistir à nossa própria insensatez.
Nos
matamos, porque não entendemos que a lealdade dos humanos não é
com sua espécie, mas com suas tribos, como é com todos os primatas
superiores. Não entendemos que as religiões são meramente
elementos tribais de aglutinação, motivo pelo qual o Ocidente e sua
cultura estão ameaçados pelos fundamentalismos de todos os matizes.
Não
percebemos a imensa perversidade de toda fé imposta ao outro, até
porque fé é apenas e tão somente uma crença que não ultrapassa o
limite do ser em si.
A
irrascibilidade com que os religiosos fundamentalistas se permitem
matar os outros, pelo simples motivo de sua alteridade, demonstram
bem, que descemos da árvore, saímos da floresta, começamos a andar
bípedes e implumes, glabros, mas somos incapazes de perder nosso
pertencimento tribal.
Os
deuses tutelares urbanos desde o surgimento da escrita e da história,
são os garantidores de pertencimentos que nos diminuem a angústia
da diluição na multidão. A religião surge como necessidade do
sedentarismo, como necessidade de identidade entre grupos
heterogêneos, e promete o que for, por mais insensato, para garantir
a fidelidade dos “irmãos”.
A
Natureza nunca pode estar Morta, porque é a própria vida, é a
garantidora de nossa fração ideal de vida, que como vivos,
compartilhamos com todas as outras criaturas do planeta. Estamos
todos, nós os vivos, um pouco mortos, a cada segundo que passa,
porque fomos dotados de uma obsolescência programada, para permitir
a renovação do mundo, em outras formas, em outras criaturas.
O
esfacelamento dos pertencimentos no Ocidente secular, tem criado a
necessidade de novas formas medonhas de religiosidades cada vez mais
apartadas de sua original função, que era agregar todos os humanos
numa única tribo. O esfacelamento da Igreja no Ocidente trouxe o
enfraquecimento de nossa cultura como vírus instalado, que agora
produz a desagregação de nossos valores.
O
pecado mortal da teologia foi ter convencido o homem de que sem deus
não há moral. Muito pelo contrário, os valores devem ser
construídos na medida da necessidade de sermos justos, não porque
herdaremos a vida eterna, ou um estado de beatitude exclusivista, mas
porque, se não formos solidários com o outro, seja qual for sua
tribo, tenderemos à divisão e à extinção, como fazemos hoje com
nossos irmãos primatas superiores.
Se
esses primatas estivessem unidos, como nas utopias cinematográficas,
talvez não tivéssemos muitas razões para comemorar nossa
sabedoria, construída sobre um cérebro poderoso e pesado, mas num
corpo muito frágil.
Não
acredito na Natureza Morta, acredito na Religião Morta, como
condenação da divisão de todos os homens, como condição
necessária da luta de todos contra todos, e como prenúncio doloroso
de nosso próprio extinguir.
Extinguir
seja como cultura, seja como espécie!
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