Aos 7 e aos 40
João Anzanello
Carrascoza
Sinopse
Fazendo uso de uma estrutura bastante inovadora,
Carrascoza conta duas histórias simultaneamente, que correspondem a dois
momentos distintos na vida do personagem principal, que nunca é nomeado - seus
sete e seus quarenta anos. Com capítulos intercalados, os ímpares narrando a
infância e os pares a vida adulta, o autor se usa dessa estratégia para
construir a oposição já presente no texto. Assim como a própria infância, os
capítulos dedicados ao sétimo ano de vida do personagem são compostos de
breves, mas intensos, episódios independentes, sobre suas experiências - a
transgressão de roubar com um amigo o pássaro do vizinho; o esforço para seguir
em frente após a perda do primeiro amor; as partidas de futebol disputadas com
o irmão ao fim de tarde no quintal de casa. Ao melhor estilo Cortázar, os
capítulos ímpares podem ser lidos em qualquer sequências. Os capítulos
dedicados à vida adulta, ao contrário, trazem uma sequência de acontecimentos
cronológicos relacionados à crise vivenciada pelo personagem aos quarenta anos;
a separação da mulher, a falta dolorosa que sente do filho. Interessante é
notar, ao longo da leitura, como a personalidade e o caráter do menino que
começavam a se formar na infância se fazem notar na maturidade. Num jogo de
ação e reação, os títulos dos capítulos sintetizam os dois momentos por meio da
oposição - 'fim' e 'recomeço', 'silêncio' e 'som', 'nunca mais' e 'para
sempre'. Da mesma maneira, o projeto gráfico dialoga com esta dualidade - impresso
em uma cor, sobre papel verde, o livro traz as narrativas da infância na parte
superior da página enquanto as da vida adulta se encontram na inferior,
acentuando os dois momentos distintos do personagem.
Como sinto:
Esta
é a primeira novela de Carrascoza, e a única palavra que se lhe cabe é que é
brilhante. Uma prosa leve, agradável, comecei a ler numa manhã de domingo e só
parei quando havia concluído o livro. Posso até ser alcunhado de romântico ou
excessivamente sensível, mas chorei ao final, porque o livro consegue dialogar
com nossos sentimentos mais profundos. Para mim, um dos mais belos textos que
já li.
O
livro é de uma organicidade incrível e apesar da crítica dizer que pode ser
lido em qualquer sequência, ou que não se lhe exige um rigorismo cronológico, o
que faz sentido é exatamente a construção do sentimento que habita cada um de
nós, nos divórcios, nas ausências, nos abandonos, nas inconstâncias que nos
afligem entre os 7 e os 40.
Não
tendo qualquer semelhança com Minhas Putas Tristes de Gabo, com ele guarda uma
relação temática que é a irreversibilidade do tempo, o divórcio entre o que pretendíamos,
sonhávamos, acreditávamos e o que a vida nos deixou, o que ela nos apresentou
como realidade que roubou parte de nossos sonhos, de nossas crenças, de nossa
pureza original.
Perdemos
ao longo do caminho muito do que não pode ser recuperado, mesmo que ansiosamente
buscado, e a dor e a angústia do reencontro apenas fazem assinalar todo o
sofrimento da irreversibilidade do tempo.
O
livro é uma obra de arte de um escritor maduro, que nos faz sentir com ele e em
relação com o texto, boa parte das experiências de nossa própria vida.
Impossível
ignorar este texto.