Uma réstia de sol entrava pela janela e os raios
iluminavam as partículas de pó suspensas no ar. Era uma manhã fria de primavera.
Os pássaros gorjeavam no jardim e anunciavam os rituais da escolha que fizera,
viver mais um dia!
Os pássaros, pensou! Amava o canto dos pássaros e
no seu jardim havia muitos deles, de muitas espécies, porque havia árvores
frutíferas e porque ele sempre colocava alimento para as aves sobre os bancos
do jardim.
Pensava com prazer na presença daqueles animais
plumados. Nunca tivera qualquer gaiola, nunca concebera amar pássaros e
engaiolá-los, e o que lhe dava inconfundível satisfação, era saber que lá estavam
porque sua casa era como um santuário onde não havia gaiolas, onde o que tinha
asas, podia voltar e partir conforme as pulsões de seus desejos.
Mas, estava em pé, um novo dia começava, e andar
por entre livros, revistas, anotações, todos espalhados pelos cômodos, sobre e
sob os móveis, fazia o mundo reconhecível. Resistia ao máximo em aproximar-se
dos gadgets, não queria saber o que estava acontecendo do outro lado do mundo,
as misérias de um outro continente. Esta escolha tinha-a feito a muito tempo,
porque ouvia as pessoas falar das mortes na Síria, no Afeganistão, na Turquia,
mas, não as via preocupadas com a morte que se anunciava em sua própria cidade.
Sentia-se velho, não pela quantidade de anos que
pudesse ter, mas pela velocidade e quantidade de seus pensamentos. Por causa de
todas as coisas que lhe passavam na alma sem que conseguisse responder satisfatoriamente
a cada uma das preocupações que o toldavam.
Arrastou-se, caminhando sem esquecer de levantar
os pés, porque arrastá-los trazia uma sensação de ruína, uma expressão de
desdém para consigo mesmo. Não, não arrastaria os pés, não reproduziria o som
irritante do chinelo escarificando o solo e marcando a incapacidade motora de
escolher seu próprio destino.
Sentiu então uma urgência. Melhor, duas urgências.
Uma dor no estômago, que anunciava fome! Uma dor no baixo ventre, que anunciava
a necessidade de esvaziar a bexiga.
Cruel dúvida no corredor interno da casa e de sua
vida, qual satisfazer primeiro?
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