Vivemos num país
surreal, onde tudo que parece não é, e aquilo que deveria ser, também parece, e
também não é.
Em nossas cidades o
gigantesco aparato público da administração municipal é absolutamente impotente
perante os cartéis de proprietários do transporte público. Assim, vou novamente
ficar filosofando sobre a parada de ônibus.
No Rio de Janeiro em
função da defasagem das tarifas e da pobreza entristecedora em que vivem os
proprietários do transporte coletivo, a instalação de ar condicionado nos
coletivos urbanos será postergada como exigência. Obviamente numa cidade que
tem temperaturas amenas, e um serviço de transporte público eficiente e de
oferta generosa, tal não deve ser uma questão que mobilize a elite política.
Já em cidades mais subtropicais,
onde a temperatura varia dos 4 aos 32 ºC num mesmo dia, devemos considerar que
tal acessório também seja despiciendo. Obviamente o alcaide, os edis, os
nababos, os deputados e os governantes não andam nos coletivos, por que
motivados pela eficiência e pela necessidade de pensar, precisam estar
protegidos em seus veículos com bancos de couro e ar-condicionado, tudo isso
pago pelo povo que utiliza o transporte surreal.
Porém, estou eu na
calçada, esperando o ônibus para ir ao trabalho. Passada uma hora, descubro que
os motoristas estão em greve por falta de pagamento do salário de janeiro. As
companhias dizem que os ônibus estão à disposição, a prefeitura diz que
repassou todo o valor contratual para o pagamento dos salários, mas os
motoristas e cobradores não receberam.
Tudo está perfeito,
porque nesta cidade fantástica, a greve dos motoristas é desencadeada pelos
proprietários das empresas de ônibus que buscam forçar a correção da tarifa,
num conluio contra a população mais pobre.
O que não contam estes
cidadãos é que até o imposto de renda pago por eles é acrescido no custo da
tarifa, bem como o sindicato pelego dos motoristas recebe 3% da folha de pagamento
para dobrar-se aos desígnios chantagistas dos proprietários da frota.
A prefeitura, imagino
eu, fica entre reconhecer sua impotência ou dobrar-se a subsídios, que terão
como retorno estímulos para campanhas. Aguardo que se cumpra a decisão judicial
de que 30% da frota deve circular fora dos horários de pico e 50% nestes
horários. Mas não há sinal dos veículos, e assim, os motoristas, os
proprietários das empresas e a prefeitura sequer se dão conta de que há um
judiciário.
Aguardo, estou
aguardando, chove, faz sol, sinto calor, sinto frio, nada diferente do que
sentiria se estivesse enlatado dentro daqueles túmulos ambulantes, de onde saem
aos magotes, a população desditada de uma cidade que se diz sorriso, mas sempre
foi muito carrancuda.
Fico a observar a
quantidade de imensos veículos chamados “SUVs” que desfilam pela cidade,
estacionam em fila dupla, que fazem o que bem entendem, como a afirmação de um
direito de exposição de sua estupidez contra a ordem pública e a sensatez.
Fico a observar
inúmeros veículos lotados com apenas uma pessoa, que vão e vêm com destino
marcado, e que ocupam o espaço que é de todos. Observo bicicletas na contramão,
furando sinaleiros, andando no meio da faixa, e todos os condutores deste
velocípede com ares arrogantes de esperteza e superioridade, embalados pelas
sandices de um prefeito que deve morar em outro lugar, que não nesta cidade que
faz chuva, faz sol, faz vento, faz chuva, faz garoa, faz sol, enfim, faz uma
miríade de microtempos, que não permitem tornar o que na linguagem burocrática
chamamos “transporte de massa” às magrelas.
Fico ouvindo o rádio
para ter informações, ouvindo no smartphone, que mesmo no meio da rua tem um sinal
ruim, falha, cai, enfim é o reflexo claro dos desmandos e dos desequilíbrios
provocados pela alteração do marco das telecomunicações realizado por um
presidente cachaceiro e carismático, que não contente com o descalabro que causou
ao país, acabou de afirmar que em 2018 ele volta ao poder.
Este é um país do
futuro, penso eu! Quando eu tinha 15 anos este país era um país do futuro, do “Ame-o,
ou deixe-o”. Hoje nos meus 54 anos, ele continua a ser o país do futuro, de um
futuro surreal, onde o mundo cresce e ele decresce, onde a Coreia do Sul do
tamanho que é, no lugar em que está, é mais poderosa do que este país com seu
tamanho e sua localização.
Fico a pensar o que deu
errado neste país, fico imaginando, ali, parado na calçada, o que é que deu
tanto errado neste país?
Por que elegemos sempre
os mesmos sujeitos? Ora, porque não nos é dado eleger ninguém diferente, porque
não é possível entrar para o círculo da política a quem está fora do establishment.
O nosso sistema político é blindado, assim como as empresas de ônibus, os
motoristas, os conselheiros do TCE e do TCU, os partidos políticos, inclusive
aqueles que sabidamente mataram pessoas, pagaram propinas, assaltaram a
Petrobras e continuam a nos roubar e mentir.
Posso ficar aqui,
esperando o ônibus, um dia ele há de chegar, estarei molhado, cansado,
desesperançado, mas o motorista estará só se preparando para a próxima greve,
para aumentar os lucros e a safadeza de seu empregador e para continuar a
encher os cofres do sindicato de malvadezas, com o suor do meu trabalho, com a
dor dos meus pés, com a desesperanças que me provocam, por viver num país
surreal.
Novamente me derreto na calçada e resto como mancha que anuncia minha insignificância, minha tristeza e meu abandono, reluto a crer que em algum momento, minha consciência será apagada do ponto de ônibus em que me construi sujeito de mim. Mas assim será, se em mim não sobrevivesse um grito.
Tenho um grito preso em
minha garganta, mas ele está calado, está dolorido e retido no meu peito,
porque não há ninguém para ouvir, porque neste país surreal, aquele que é cruel
e humilhantemente explorado tem apenas um sonho.
Ser o explorador!
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