Permaneceu ali,
sentado a um canto, olhando o vazio. Passou muito tempo, um tempo que ele mesmo
não saberia medir. A sala escureceu. Sobre todas as coisas pousou uma mortalha,
que fazia dos olhos ferramentas inúteis, olhando um vazio, escuro, duro, sólido,
opaco.
Naquele tempo, foi
afundando lentamente na poltrona. Mais que afundando na poltrona, foi afundando
em suas lembranças. Foi recuando no tempo, lembrando de outros lugares, de
outros afetos. Da inocência e da pureza de outros tempos.
Subitamente deu-se
conta que trazia consigo, não a lembrança, mas a presença viva de pessoas que
haviam partido a muito tempo. De uma partida para não voltar mais. Para um
lugar não sabido, desconhecido, porque em outro estado da existência.
E então, lembrou da
partida da irmã menor. Lembrou de cada momento de toda uma infância, de uma
adolescência, lembrou do urso que apanhava e saia correndo com ela gritando
pelo jardim. Ele fazendo as ameaças irrealizáveis de enuclear os olhos do bicho
de pelúcia, apenas para que ela o perseguisse.
Lembrava das vezes
que ela, valentona e quatro anos mais jovem e muito mais frágil, agarrava-o
pelos cabelos, surrava-o, para regozijo do pai. Ressentia o prazer de fazê-la
crer na própria força e na satisfação do pai de vê-la fazer o que queria.
Mas, ela partiu.
Num leito de hospital. Vitimada por SARA.
Naquele momento no
fundo da sala, só lhe restava a amargura da impossibilidade e da incapacidade
de expressar todo o seu desespero. Toldava-lhe o espírito a tristeza que ainda
trazia em si, sem que ela nunca tenha encontrado expressão. Brotou-lhe uma
lágrima.
Fechou os olhos. Latejava
o crânio. Melhor, a alma!