Espaço de sentir e pensar de Laércio Lopes de Araujo

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Passagem do tempo




Permaneceu ali, sentado a um canto, olhando o vazio. Passou muito tempo, um tempo que ele mesmo não saberia medir. A sala escureceu. Sobre todas as coisas pousou uma mortalha, que fazia dos olhos ferramentas inúteis, olhando um vazio, escuro, duro, sólido, opaco.
Naquele tempo, foi afundando lentamente na poltrona. Mais que afundando na poltrona, foi afundando em suas lembranças. Foi recuando no tempo, lembrando de outros lugares, de outros afetos. Da inocência e da pureza de outros tempos.
Subitamente deu-se conta que trazia consigo, não a lembrança, mas a presença viva de pessoas que haviam partido a muito tempo. De uma partida para não voltar mais. Para um lugar não sabido, desconhecido, porque em outro estado da existência.
E então, lembrou da partida da irmã menor. Lembrou de cada momento de toda uma infância, de uma adolescência, lembrou do urso que apanhava e saia correndo com ela gritando pelo jardim. Ele fazendo as ameaças irrealizáveis de enuclear os olhos do bicho de pelúcia, apenas para que ela o perseguisse.
Lembrava das vezes que ela, valentona e quatro anos mais jovem e muito mais frágil, agarrava-o pelos cabelos, surrava-o, para regozijo do pai. Ressentia o prazer de fazê-la crer na própria força e na satisfação do pai de vê-la fazer o que queria.
Mas, ela partiu. Num leito de hospital. Vitimada por SARA.
Naquele momento no fundo da sala, só lhe restava a amargura da impossibilidade e da incapacidade de expressar todo o seu desespero. Toldava-lhe o espírito a tristeza que ainda trazia em si, sem que ela nunca tenha encontrado expressão. Brotou-lhe uma lágrima.

Fechou os olhos. Latejava o crânio. Melhor, a alma!

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