Espaço de sentir e pensar de Laércio Lopes de Araujo

domingo, 4 de novembro de 2012

Inesperado?





Tinha um compromisso importante às 8h00. Foi dormir mais cedo, preparar-se para estar se sentindo melhor no compromisso que lhe era importante, porque assim o considerava, e não porque efetivamente tivesse qualquer outra importância que não a atribuída por ele!
O relógio despertou as 6h30. Saltou da cama, foi ao banheiro e cometeu o erro de abrir o iPad, uma invenção demoníaca e enquanto preparava o seu desjejum, ficou a ler os jornais do dia, e absorvido, quando olhou no relógio eram 7h15! Era ainda possível tomar o banho, indispensável para começar qualquer dia que possa ser bom! Tomou o banho o mais rápido possível, um banho que para ele nunca era demorado, mas o suficiente para sentir-se bem e revigorado!
Pegou a roupa e descobriu que a camisa que escolhera estava sem um botão. Muito tarde para coloca-lo escolheu outra, sem problemas, mas a dúvida de qual, fez com que perdesse segundos preciosos. Foi colocar o sapato, rompeu o cadarço, porque em função da importância do encontro, queria ir de sapatos de amarrar! Mas desistiu, pegou um que não tinha cadarço. Mas o primeiro que pegou tinha uma marca de barro, e estava empoeirado! Largou este e tirou aquele de ir a festas simples, e este se apresentou pronto!
Saiu já desesperado, porque já era 7h42. Olha com sofreguidão os ponteiros do relógio, e dirige-se à porta do elevador, morava no quinto andar! O elevador estava enguiçado, situação que só lhe ficou clara após alguns minutos de espera! Desesperado, abençoou aos céus por só morar no quinto andar. Desceu em desabalada carreira os cinco, digo seis andares, porque sua garagem era no subsolo! Chegou à garagem suado, resmungava, mas o que fazer, entrou no carro, ligou, engatou a primeira, e descobriu que o aparelho para abrir o portão havia ficado em outra calça!
Sobe desesperadamente à portaria, e procura pelo porteiro que deveria estar atento ao movimento das garagens e entradas do prédio! Mas não havia ninguém! Entra em pânico perante a dúvida cruel de subir novamente os cinco andares, e por óbvio desce-los ou quedar-se alí inerte à espera do porteiro salvador! Implorou aos deuses que se materializasse um porteiro, que após angustiantes e eternos 40 segundos apareceu com um pão com manteiga numa mão e um copo de café na outra!
Teve tempo apenas de pedir que lhe abrisse o portão, desceu desabalado à garagem. Aberto o portão, engatou a primeira e saiu à calçada, mas que nada, havia um caminhão descarregando laticínio para a panificadora ao lado! Ensandecido pede, nada muito educadamente que o caminhão seja retirado da guia rebaixada! Com toda a presteza de um preguiça em horário de cesta, o motorista retira o caminhão da saída da garagem!
Ele então acelera o seu potente motor 1.4 de 100 cavalos e um burro atrás do volante, que era como ele se sentia! Tocou o mais depressa possível, e sempre que tinha de trocar de faixa sinalizava e pedia educadamente para passar, ao que era atendido pelos veículos menores e invariavelmente impedido de fazer por aqueles mastodontes do trânsito, por aqueles cidadãos que andam com adesivos VÁ DE BICICLETA, TRILHAS E AVENTURA, e outros adesivos politicamente corretos, mas que usam seus carros como ferramentas para atormentar a cidade e os cidadãos com sua opulência desmedida, desregrada e burra!
Naquele dia, os cruzamentos ficaram cheios de carros dentro das caixas amarelas emudecidas e absolutamente ineficientes, as três faixas da avenida que seguia, tinham aparadores da grama no canteiro central ocupando uma faixa, e um micro-ônibus de pacientes de outras cidades ocupando a outra faixa, parado, porque é de direito ceder espaço para os que sofrem. Assim, três faixas viraram uma, e como todos os motoristas são muito preocupados, ninguém dá a vez ao outro, o que determina discussões e xingamentos, e por óbvio retardo do trânsito!
Ligado o ar-condicionado no máximo, suava copiosamente mesmo assim!
Mas quando já eram 8h23 consegue chegar ao seu destino! Pensou em explicar quanto de inesperado lhe acontecera naquela manhã, para tentar justificar-se, não ao outro, mas a si mesmo!
Por quê?
Porque não acreditava em santos e demônios, apenas na contingência das coisas, mas naquele dia, mesmo que não quisesse, teria de admitir que o inesperado é o certo que se esconde nas frestas do pensamento de um demiurgo do mal que se compraz com o sofrimento miserável do ser humano, que se ilude, acreditando que tem domínio sobre o tempo e o seu querer, mas é apenas vítima de uma brincadeira, de uma piada de mal gosto: o inesperado!

O silêncio





Muitas vezes o silêncio é prova definitiva de amar! Muitas vezes o silêncio é prova de devoção e de respeito!
A ruptura do silêncio necessário, é demonstração de egoísmo, de fatalismo doloroso, mas egoísta, é ato de ferir, é ato de roubar, a paz que não temos, que não nos é dada, nem agora nem nunca!
O silêncio é devocional!
O amor é devocional!
Amor é silencioso!
Amar é sofrer em silêncio...
Apenas para ficar perto de quem sofre!
Apenas para dizer de todo o respeito...
Que tenho pelo outro,
Que tenho por mim!
Que tenho pelo que sinto!

Silêncio!
Silencio... e basta!

Loucura





Caminhava pelas ruas sem um rumo certo, acreditava que seguia sua vontade de encontrar o motivo, aquele motivo que explicasse a dor. Pensava na dor, na dor causada por um computador aberto, por conversas trocadas, por sentimentos dados e trocados, sem um sentido para além do vivido, do pensado! Mas minhas inconstâncias abertas, escancaradas, evisceradas de mim, irreconhecíveis em mim!
Caminhava pelas ruas, chovia, ou chorava, o coração sangrava não porque descoberto, não porque causado desconforto, mas o que feria, na caminhada, em cada passo, era a dor causada, quanto sofrimento que o outro não percebia, porque seu sofrer era mais agudo, estridente, vivo, dilacerante!
Caminhava pelas ruas, pela vida, pelos pensamentos, pelos sentimentos, e não encontrava um motivo para tanto sofrimento, a não ser a dilacerante certeza que sofria mais que o sofredor, que se aniquilava mais que o descobridor, que se esfacelava mais que aquele que em flashs trazia à vida os fantasmas do nada que me constitui! Minhas faltas, minhas feridas evisceradas, se arrastam pelas ruas por onde ando, tão inundado de minhas dores, que não sei se chove, ou se choro, tão copiosamente que me afogo em minhas torpezas, que incendeiam minha alma!
Caminhava pelas ruas, chorando e repetindo teu nome, porque se assim não o fizesse, não acreditava que magicamente tua dor pudesse cessar para que a minha, não cessasse mas se calasse e se ajoelhasse em profundo sentimento de ruína para pedir perdão, agora, sempre, todos os dias, apenas para te ver sorrir! Para te ver viver a intensidade de um amor que sobrevive ao tempo e a todas as dores!
Parei, encontrei-te decidida a sorrir, meu coração ainda dói, treme, se angustia, mas em teu sorriso que me devolve a vida, paro de caminhar, apenas para quedar-me a teu lado, e sussurrando teu nome, voltar a viver, como foi, desde o início dos tempos, dos tempos em que me construí como homem!
Parei, parei de caminhar, resgatado pelo teu amor!

Sofrimento





O sofrimento não enobrece,
O sofrimento não nos melhora,
O sofrimento não traz nada,
Além da dor que se sente!

Muitas vezes não merecemos o sofrimento,
Muitas vezes não o provocamos,
Mesmo que muitas vezes,
Nós o procuremos, com ânsia,
Até que ele se abata sobre nós!

Mas o sofrimento não traz nada além da morte,
Uma morte lenta e aos poucos,
Que não responde pelo que sentimos,
Mas pelo que poderia ser, e não é...

Não há porque sofrer, se tenho uma certeza,
Não do que o outro sente por mim,
Mas do que sinto pelo outro,
Porque amor constrói,
É dação e promessa de bem.

Acredito no que sinto,
Acredito no meu amor!
Se acredito nele, sei que ele é,
E o que é, não se desfaz,
A não ser que eu esqueça,
Olvide, abandone...
O Amar!

Sofrimento é nada,
Amor é tudo,
Sofrer dói,
Mas amar de verdade,
Dói muito mais!
Sofra, mas sofra por amar!

Lua e Ar





Havia a Lua, brilhava no céu;
Silenciosa, misteriosa,
Presente e bela,
Ficava lá no firmamento,
Branca e bela, etérea,
Uma presente, uma ausente,
Presente quando se fazia nova,
Ausente quando se fazia miguante,
Mas tão bela e constante,
Desde o momento que se desnudara,
Ainda no início do meu existir,
Marcando cada pensamento e desejo,
Que possa ter e imaginar,
Para todo o sempre!

Mas havia o Ar, rarefeito,
Inconstante, intempestivo,
Causador do vento, das borrascas,
Do trazer e do levar,
Do estar aquecendo, mas também,
Do estar a esfriar,
Minh'alma, presa ao vento,
Viajava, tal qual sonho,
Até a Lua, até ao Mar,
Permanecendo sempre,
Constantemente, permanentemente,
Presa na delicadeza de cada movimento,
Que o vento procurava, 
Com sua violência,
Desenhava sobre a imensidão de amar!

A Lua e o Ar, o Luar,
Que me ilumina, que me faz,
Constrói e realiza,
Num só e permanente sentimento,
Indestrutível, permanente,
Perfeito, constante,
Perturbado, vívido,

Mas o que é esta lua, este ar,
O que este luar que alumia,
Toda minha existência,
Permitindo que ela seja,
Não uma, mas várias, 
Esperas, sofregas, 
Do encontro, do reencontro,
Do mar e do ar, 
Do homem e da mulher,
Que se fundem  no ato de amar!

Sabes agora que não importa teu nome,
Porque hei de repetí-lo ad infinitum,
No momento infinito de amar!
Transbordando em ti, como o mar,
Soprando sobre tua pele como o ar,
Existindo, leve, etéreo!
Como a brisa que anuncia a alma,
Quando resplandece o luar,
Em tua face, em teu colo,
Em teu peito,
No momento mesmo, de amar!