Tinha um
compromisso importante às 8h00. Foi dormir mais cedo, preparar-se para estar se
sentindo melhor no compromisso que lhe era importante, porque assim o
considerava, e não porque efetivamente tivesse qualquer outra importância que
não a atribuída por ele!
O relógio despertou
as 6h30. Saltou da cama, foi ao banheiro e cometeu o erro de abrir o iPad, uma
invenção demoníaca e enquanto preparava o seu desjejum, ficou a ler os jornais
do dia, e absorvido, quando olhou no relógio eram 7h15! Era ainda possível
tomar o banho, indispensável para começar qualquer dia que possa ser bom! Tomou
o banho o mais rápido possível, um banho que para ele nunca era demorado, mas o
suficiente para sentir-se bem e revigorado!
Pegou a roupa e
descobriu que a camisa que escolhera estava sem um botão. Muito tarde para coloca-lo
escolheu outra, sem problemas, mas a dúvida de qual, fez com que perdesse
segundos preciosos. Foi colocar o sapato, rompeu o cadarço, porque em função da
importância do encontro, queria ir de sapatos de amarrar! Mas desistiu, pegou
um que não tinha cadarço. Mas o primeiro que pegou tinha uma marca de barro, e
estava empoeirado! Largou este e tirou aquele de ir a festas simples, e este se
apresentou pronto!
Saiu já
desesperado, porque já era 7h42. Olha com sofreguidão os ponteiros do relógio, e
dirige-se à porta do elevador, morava no quinto andar! O elevador estava
enguiçado, situação que só lhe ficou clara após alguns minutos de espera!
Desesperado, abençoou aos céus por só morar no quinto andar. Desceu em
desabalada carreira os cinco, digo seis andares, porque sua garagem era no
subsolo! Chegou à garagem suado, resmungava, mas o que fazer, entrou no carro,
ligou, engatou a primeira, e descobriu que o aparelho para abrir o portão havia
ficado em outra calça!
Sobe
desesperadamente à portaria, e procura pelo porteiro que deveria estar atento ao
movimento das garagens e entradas do prédio! Mas não havia ninguém! Entra em
pânico perante a dúvida cruel de subir novamente os cinco andares, e por óbvio
desce-los ou quedar-se alí inerte à espera do porteiro salvador! Implorou aos
deuses que se materializasse um porteiro, que após angustiantes e eternos 40
segundos apareceu com um pão com manteiga numa mão e um copo de café na outra!
Teve tempo apenas
de pedir que lhe abrisse o portão, desceu desabalado à garagem. Aberto o
portão, engatou a primeira e saiu à calçada, mas que nada, havia um caminhão
descarregando laticínio para a panificadora ao lado! Ensandecido pede, nada
muito educadamente que o caminhão seja retirado da guia rebaixada! Com toda a
presteza de um preguiça em horário de cesta, o motorista retira o caminhão da
saída da garagem!
Ele então acelera
o seu potente motor 1.4 de 100 cavalos e um burro atrás do volante, que era
como ele se sentia! Tocou o mais depressa possível, e sempre que tinha de
trocar de faixa sinalizava e pedia educadamente para passar, ao que era
atendido pelos veículos menores e invariavelmente impedido de fazer por aqueles
mastodontes do trânsito, por aqueles cidadãos que andam com adesivos VÁ DE
BICICLETA, TRILHAS E AVENTURA, e outros adesivos politicamente corretos, mas
que usam seus carros como ferramentas para atormentar a cidade e os cidadãos
com sua opulência desmedida, desregrada e burra!
Naquele dia, os
cruzamentos ficaram cheios de carros dentro das caixas amarelas emudecidas e
absolutamente ineficientes, as três faixas da avenida que seguia, tinham
aparadores da grama no canteiro central ocupando uma faixa, e um micro-ônibus
de pacientes de outras cidades ocupando a outra faixa, parado, porque é de
direito ceder espaço para os que sofrem. Assim, três faixas viraram uma, e como
todos os motoristas são muito preocupados, ninguém dá a vez ao outro, o que
determina discussões e xingamentos, e por óbvio retardo do trânsito!
Ligado o ar-condicionado
no máximo, suava copiosamente mesmo assim!
Mas quando já eram
8h23 consegue chegar ao seu destino! Pensou em explicar quanto de inesperado
lhe acontecera naquela manhã, para tentar justificar-se, não ao outro, mas a si
mesmo!
Por quê?
Porque não
acreditava em santos e demônios, apenas na contingência das coisas, mas naquele
dia, mesmo que não quisesse, teria de admitir que o inesperado é o certo que se
esconde nas frestas do pensamento de um demiurgo do mal que se compraz com o
sofrimento miserável do ser humano, que se ilude, acreditando que tem domínio
sobre o tempo e o seu querer, mas é apenas vítima de uma brincadeira, de uma
piada de mal gosto: o inesperado!