Espaço de sentir e pensar de Laércio Lopes de Araujo

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Dia para viver, dia para morrer





Dois amigos se encontram. Não se viam a muito e como todo bom encontro masculino, começou com estridentes tapas nas costas, xingamentos vários, depreciações e farto sorriso!
Mas os dois estavam ali, sem saber exatamente o que fazer, num encontro inesperado, não marcado, mas acontecido. Falaram sobre futebol. Um era flamenguista, o outro são paulino, o que fazia com que irremediavelmente a conversa descambasse para uma cordial guerra de trincheiras. Resolveram tomar uma cerveja. Discutiram sobre a marca, apesar de nenhum dos dois ser sequer um bom bebedor. Mas se não discutissem, não seriam homens que se encontravam!
A cada mulher bela que passava, olhares gulosos e comentários incorretos, que só os homens compreendem, porque as mulheres são sim, nossos objetos de desejo que ficam no topo da lista, coisa que elas repudiam, coisa que elas se deliciam.
Mas ambos eram casados, um com sua primeira mulher, muito fina, elegante, com todas as prendas domésticas e profissionais desejáveis, o problema é, que como toda mulher, acredita que o sexo após o casamento é assessório, e pior, um assessório que enferruja e quanto mais enferrujado melhor!
O outro havia casado e se separado muitas vezes, agora tinha uma jovem esposa, que tresloucada, enchia sua vida de problemas e de satisfações.
Ambos absolutamente satisfeitos com suas vidas, e suas vidas absolutamente despidas de sentido como são as vidas de todos os humanos. De repente, um deles exclama:
- Que belo dia para se viver!
O outro, que já havia vivido várias vidas, porque cada mulher é uma vida, suspira mais concentrado e perplexo com seus sentimentos:
- Que belo dia para se morrer!
Um silêncio sepulcral desce como a cortina de um vetusto e grande teatro sobre a conversa e o destino dos dois amigos. O que disse que o dia era belo para se viver ficou profundamente perturbado, não conseguia fazer qualquer interpretação possível da afirmação do outro, a não ser que este estivesse deprimido, abatido ou qualquer coisa assim, coisa que não lhe parecia ser o caso. Após alguns instantes de silêncio sepulcral, silêncio este só possível quando a mesa só tem homens, porque as mulheres não conseguem conviver com o silêncio umas diante das outras, ele hesitou, mas conseguiu sair de sua condição de estupor e perguntar ao outro, que olha distante, através dele e de seus pensamentos, como a procurar um sentido onde nenhum sentido existe, e assim falou:
- Amigo, por que você crê que hoje é um belo dia para se morrer? A morte é a negação de tudo que é belo e bom e que se constrói neste encontro que se dá agora! Olhe quantas mulheres lindas, o céu, o mar, a vida, tudo isso é negado pela morte! Está acontecendo alguma coisa contigo?
Ao que, saindo de seu estupor, o amigo num largo sorriso responde:
- Hoje é um belo dia para se morrer, porque simplesmente o maior êxito que podemos ter em nossas vidas é morrer felizes. A morte é uma absoluta certeza, e o que você disse que ela é a negação do tudo quanto afirma belo, não resiste a uma única observação. A vida não tem qualquer sentido, nenhuma razão, qualquer desiderato metafísico ou escatológico! A vida é o que é, um dado absolutamente aleatório e sem sentido, daí que, qualquer dia e todos os dias são bons para se morrer, mas o dia em que estamos plenos de felicidade, que encontramos no outro um motivo de admiração, prazer e amor, este sim é um dia belo para morrer, porque neste momento a humanidade ganha um brilho que esconde para nós, todas as torpezas da miséria, da guerra, da intolerância religiosa! Sim, hoje não é um belo dia para viver, porque viver é uma contingência, mas é sim, um belo dia para morrer! A questão é, não quero morrer agora, nem amanhã, ou depois de amanhã, ou em qualquer tempo que possa imaginar, quero morrer quando necessário seja que isto aconteça, até lá, quero amar o mundo, como ele é, as pessoas como elas são, quero esquecer que religião, sexo e política dividem, quero acreditar que entre eu e você há apenas uma razão de existir, poder beber, desejar as mulheres, e esquecer que temos de incansavelmente pagar impostos para que outros se apropriem do nosso mérito e do nosso esforço, apenas e tão somente para nos dividir entre pobres e ricos, pretos e brancos, petistas e tucanos! Não, hoje é um belo dia para morrer, porque você me fez apenas pensar em qual cerveja eu queria tomar, e qual a mulher mais bela com a qual flertamos! O belo só pode vir do necessário, e necessário é morrer, viver não é preciso!

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