Acordara um dia com
um sentimento vago, incerto de inquietude. Não sabia exatamente o que o
afligia, mas ao abrir os olhos, uma angústia abateu-se sobre ele.
Nada havia
acontecido de diferente, mas sentia o seu peito oprimido, sem que conseguisse objetivamente
determinar o que o afligia.
Vivia numa cidade
média, com mais de um milhão de habitantes em um país que sempre se viu como
potência do futuro, mas que teimava em não realiza-lo.
Enfim, olhou para o
lado direito da cama e viu a doce imagem da esposa a dormir o sono dos justos.
Seus belos cabelos negros, a pele clara, os traços delicados, nada faziam supor
que era bisneta de escravos. Mas ali estava ela, lânguida, bela, delicada, e
nada fazia supor que pudesse ser a causa de sua aflição.
Foi até a porta,
pegou o jornal, que surpreendentemente foi entregue antes das 8h00 da manhã.
Surpreendente porque o jornal é forma de adquirir informação e cultura, mas que
já chega um dia atrasado, e quando chega depois da hora de partir para o
trabalho, só pode ser lido ao retornar, o que o torna, por obvio, absolutamente
inútil, a não ser por poucos e indispensáveis colunistas e suas análises
críticas da realidade verossímil!
Tomou o desjejum e
saiu. Ligou o rádio do carro e uma torrente de informações afligiram sua alma,
como se fossem discursos dogmáticos, indiscutíveis. Ficou sabendo que um
vereador propusera na Câmara a obrigação de informar aos consumidores das
coxinhas dos bares a quantidade de calorias, de gorduras trans, cis e que tais,
bem como a data em que ela poderia fazer-lhe mal. Outro que queria proibir o
cigarro em todos os espaços públicos numa sanha purificadora digna de
Torquemada.
De súbito percebeu o
motivo de sua perturbação. Vivia num país em que a carga de impostos beirava os
40%, o Estado que se apresentava como o inabalável provedor de todas as
necessidades, já havia proibido o fumo em restaurantes para preservar a saúde
dos habitantes, fazendo-os agora aglomerarem-se na rua para fumar. Já havia
criado a ANVISA para monitorar o que podemos tomar de medicamentos, e quanto
ela entra em greve, os medicamentos que nos farão falta.
Um país em que há um
judiciário que é a instância última que decide as eleições, várias instâncias
de fiscalização cada vez mais distantes do cidadão e completamente à margem do
poder Legislativo que em última instância albergaria seus representantes.
Não se pode mais
fumar, ou beber, sequer telefonar com celulares em postos de gasolina, porque
estupidamente se presume que o Posto de combustível vá explodir se assim o
fizermos.
Um Estado que cobra
o mesmo percentual de imposto sobre a propriedade de veículos de um sujeito que
anda com uma Pajero Full e outro que anda com um humilde Fiat Mille.
Uma população que
inculta, acreditava no Poder Público quando este afirmava que mais pena diminui
a criminalidade, mas que não percebe que dar carona em dia de eleição pode te
mandar para a cadeia por 4 a 6 anos, mas o sujeito que atropela a criança em
cima da calçada terá pena de 2 a 4 anos!
O que lhe oprimia o
peito, o que lhe pesou na alma ao acordar era perceber que o Estado em que
vivia, se multiplicava em benefício próprio, multiplicando-se tenazmente para
dominar todos os aspectos da sua vida, e até para determinar em quem poderia
ele votar ou não.
Descobriu que o que
o oprimia nada mais era do que um Estado tentacular, que tudo podia, que tudo
fazia, impedindo que as pessoas pudessem regular-se por seus próprios desejos e
opiniões.
Descobriu que tudo
isso só valia para ele, e para 90% da população, porque estes eram os objetos
últimos das proibições, das punições e das cobranças de impostos, porque os 10%
mais ricos, nem se importavam com o Estado.
Descobriu que não
havia policiamento competente porque as empresas de segurança eram as maiores
financiadoras das campanhas dos políticos, e que as leis eleitorais eram
verdadeiros cipoais que buscavam liquidar as chances daqueles que não tinham
padrinhos nos governos estaduais e federal.
Descobriu que, sua
única arma, o voto, o seu, e o de todos que se sentem oprimidos é forma solitária
de resistência, e que o estímulo ao voto em branco e ao voto nulo eram formas
de perpetuação do status quo,
travestidos do bom mocismo da ficha limpa!
Resolveu
beliscar-se, chacoalhar-se, atirar-se numa tina de água fria, para ver se era
possível acordar do pesadelo!
Mas então percebeu,
que a opressão que sentia no peito nada mais era que o pesadelo de viver a cada
dia a realidade sufocante de um Estado opressor, que quanto mais gigante maior
a angustia que lhe toldava o peito, e que tornava irrespirável o ar que tinha
direito de respirar, por ser livre, por ser apenas e tão somente alguém que
gostaria de poder escolher, por si mesmo, o que lhe faz bem e o que lhe poderia
fazer mal!
O que lhe sufocava
era ter trocado a opressão da igreja, pela opressão do Estado, este muito pior,
porque em nome do bem público lhe prometia castigos ominosos, sem que a ele
nada mais restasse que defender-se, de forma angustiante, de um Estado que ele
mesmo, lhe dizia como deveria fazê-lo!
Acordar...
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