Discutiam
acaloradamente sobre a guarda do sábado ou do domingo. Cada um com suas certezas.
Não lhes parecia um
assunto banal, na medida em que a bíblia mandava guardar o dia do Senhor. Mas
este era o sábado ou o domingo?
Não conseguiam
entrar num acordo minimamente razoável, cada um aferrado a suas certezas. Ficou
a discussão cada vez mais acalorada.
O que acreditava que
era domingo perguntou ao que cria que era o sábado, porque os concursos
públicos em um Estado laico eram no domingo, já que o domingo era o seu dia
santificado. O outro estufou o peito e disse que jamais faria uma prova no
sábado e que assim os tribunais reconheciam seu direito de fazer em outro dia.
Nenhum dos dois
percebeu que o que interessava era a laicidade do Estado, e que se um não podia
fazer no sábado, o outro tinha que ser respeitado pelo seu domingo. E com
certeza a quarta e a sexta também eram sagradas para outras religiões da terra
e não tanto desta terra!
Permaneceram
levantando argumentos sobre a santidade do domingo e do sábado, incansáveis em
sua luta por terçar provas e fatos que comprovassem a sua verdade sobre o dia
Santo.
Para espanto de
ambos, sentados numa terça-feira dia 31 do ano, tomando um refresco de limão à
beira da calçada, viram aproximar-se um sujeito vestido como um mendigo, sorridente e desdentado.
Aproximou-se dos
dois contendores e pediu um cigarro. Não tinham.
Perguntou
entre íntimo e cúmplice se tinham uma cachacinha. Acharam-no desaforado!
Sorriu com suas
gengivas aparentes, retirou umas moedas do bolso, contou-as, e pediu alguns
centavos para comprar um “martelinho”.
Novamente,
retorquiram, aquilo era um abuso, pespegaram-lhe todo tipo de adjetivos negativos e
o exortaram a corrigir a vida torta que levava.
O sujeito que permanecia alegre, de uma alegria jovial e pura, disse-lhes que vivia bem, muito obrigado, e que quem deveria mudar de
vida eram eles, ali perdendo o seu tempo, negando toda sorte de bondades aos
outros.
Pensaram um pouco, e
fizeram um trato com o mendigo. Se lhes dissesse que dia era e qual o dia mais
santo, eles lhe pagariam um refresco e um pão com pernil de peru.
O mendigo pensou,
negociou uma cachacinha no lugar do refresco, mas diante da recusa, aceitou o
trato.
Disse-lhes então que
acreditava que aquele deveria ser dia 5 de junho de um ano qualquer, porque não
faria qualquer diferença ser este ou aqueloutro dia, e na realidade não havia dia
isso ou aquilo, apenas convenções que os homens usam para submeter uns aos
outros.
Santificado eram
todos os dias que tinha o que comer, onde dormir e quando encontrava pessoas
que como ele eram capazes de sentir fome, sono, sede, frio, calor, compaixão.
Assim, se Deus tinha um dia santificado, com certeza não seria o sábado ou o
domingo, visto que as pessoas se desentendiam sobre esses dias, deixavam de
cumprir suas obrigações nesses dias e ainda acreditavam que os outros tinham
que acreditar em suas sandices dogmáticas.
Revoltados,
negaram-lhe o pão e o refresco, ao que ele respondeu com um sorriso e
retorquiu.
No dia em que
santificassem o dia do Senhor, não esquecessem de honrar seus compromissos, já
que em Deus não há tempo, nem ontem, nem amanhã, mas com certeza haverá de
honrar seus compromissos.
O primeiro deles
amar a todos os homens sem distinção o segundo perdoar sem limites. Se é
domingo ou sábado, pouca diferença faz, a não ser como homenagem que a hipocrisia
presta à virtude!