Espaço de sentir e pensar de Laércio Lopes de Araujo

domingo, 29 de dezembro de 2013

O Relógio




Ele estava perplexo, suava frio, o coração disparava, as mãos estavam geladas, ofegante, uma sensação horrível de morte súbita, de algo muito ruim por acontecer!
Estava sozinho, parado em frente a um enorme relógio em uma estação qualquer, a espera de um trem, ou de um ônibus, ou ainda, de um embarque aéreo, mas não havia ninguém, apenas o imenso relógio.
A cada movimento do relógio seu coração já havia batido duas vezes, ele percebia que alguma coisa lhe fugia, seus pensamentos estavam presos no caminhar do relógio.
Pensava apenas no mal estar que sentia, nas coisas que deixara de fazer. Das que fizera, não podia arrepender-se, porque o arrependimento não é capaz de fazer o relógio retroceder!
Fixava o relógio, fixava o ponteiro, inexorável, irreprimível. Com violência seu coração disparava na velocidade maior que o ponteiro. Travava-se uma corrida entre ponteiro e pulso, cada um medindo alguma coisa intangível.
Via os segundos passando, olhava fixo o relógio, sem compreender a realidade de sua existência. Media cada um de seus pensamentos pelas dores que sentia, e pelo avançar daquele ponteiro, que nenhuma compaixão tinha pelo seu sofrimento.
Sentia que iria morrer, que não mais sabia a idade que tinha, sabia apenas que vivera muitas vidas, que tinha tido muitos filhos, que tinha encontrado centenas, milhares de pessoas, que seu destino estava ligado a todos e a cada um dos habitantes do planeta que agora o oprimia, com sua órbita inexorável, fazendo com que os dias se sucedessem, apesar do desejo de que tudo parasse.
Não havia ninguém perto dele, e fixando mais uma vez o relógio que avançava, percebeu com horror, que o único ponteiro que se lhe apresentava era o de segundos.
Onde estavam as horas? Onde estavam os minutos? Percebeu então e só então, que não há dias, noites, horas, minutos, mas apenas o palpitar de seu coração como medida de seu ensandecimento, de seu ensombrecimento, do cansaço de seu juízo!
Não uma segunda, após um domingo, sequer uma sexta-feira depois de uma quinta-feira, ha apenas convenções, cuja estupidez humana atribui poderes mágicos!
Convenções que agora não faziam nenhum sentido! Seria um pesadelo, estaria ele perdido, olhando para um relógio sem sentido, em um não lugar!
Não, ele estava num estado de ânimo desesperador que o acompanhava já há algum tempo, que não lhe permitia a paz necessária para ficar feliz. Todos os dias, em pânico, se defrontava com aquele relógio, imenso, pregado a sua retina, com apenas um ponteiro, anunciando a morte súbita, um desastre, uma dor, uma perda, que não sabia calcular, mas sabia real e vivida!
Chegou a um estado de exaustão e desespero, paralisantes, ofegante, desesperado dispara pelos corredores, avança pelas ruas, pelas praças pelos edifícios, prestes a ter o coração saindo-lhe pela boca!
Desfalece de súbito, desaba, apaga seu tormento, afunda sobre uma poça, numa esquina qualquer, o olho vidrado, mas já não mais acordado, sem deixar de escutar os segundos escoando no relógio medonho de um só ponteiro, que media os intermináveis segundos de sofrimento que destruíam sua sanidade!
Desfaleceu.
Acordou três dias depois em um hospital, atendido por médicos tão distantes quanto o relógio que o perseguia, comunicando a ele que tivera um Ataque de Pânico.
Nada disso o confortou, apenas descobriu que entre o relógio e os médicos, residia o pouco de sanidade que lhe permitiria existir ainda por algum tempo!


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