Vivia em uma
situação de premência diária. Passou a acordar as 5h30 para permitir-se algumas
horas de leitura por dia. Mas isso ainda não o satisfazia!
Recordava que há
alguns anos, desenvolvera uma paixão especial por Buenos Aires. Quando lá desembarcou,
o que mais lhe chamara a atenção era que nos parques, no metrô, nos autocarros,
nas calçadas, sempre havia um jovem, um homem ou uma mulher de meia idade ou
velhos lendo.
Impressionara-o o
fato de que assim como nas cidades brasileiras há uma farmácia em cada esquina,
na cidade portenha há uma livraria em cada esquina. Era o paraíso.
Quando no ensino
médio, que fizera na escola profissionalizante pública, que não o
profissionalizara para nada, mas que lhe fizera perder parte da educação
clássica convencional, por inspiração dos iluminados regimes militares
sul-americanos, economizava o dinheiro da passagem de ônibus para fazer a
aquisição de livros na rua principal de sua cidade!
Foi nestes dias que
se apaixonara por Drummond, Voltaire, Hugo, Scott, Russerl, Wells, Dumas pai e
filho, Machado de Assis, Aluísio de Azevedo e tantos outros. Consumia horas
lendo, e guardava seus livros como relíquias, nunca tendo se desfeito de
qualquer um!
Embrenhou-se em
Duby, le Goff, Braudel, Hobsbawn na década de 70 e 80. Todo tempo “livre” era
tempo de leitura!
Com o tempo, o
espaço que os livros ocupam em sua vida, passou a ser mais um problema a ser
equacionado, muitas vezes se perguntou se teria de dormir sobre eles, com eles
ou enfim neles.
Caminhava sempre, de
forma livre, porque tinha à mão indefectivelmente um livro. O livro como
companheiro, como escudo, como arma contra a ignorância, a intolerância e a
arbitrariedade!
Encontrou livros
bons, outros nem tanto, mas sempre defendeu a sua publicação, na medida em que,
censurar um livro era um atentado de lesa
humanidade, sem nenhum motivo que justificasse um atenuante.
Ficou sabendo mesmo
de certa biografia de um político famoso e condenado, para o bem e para o mal,
chamado José Dirceu, que era uma biografia caricata, absurda, indecorosa.
Porém, o tal
político nunca procurou censurá-la como o desejavam fazer artistas do país, em
nome de uma privacidade que era seletiva, já que o que lhes aproveitava era de
sobejo escancarado nas revistas de fofoca populares. Isto apenas acentua sua má
consciência pública, a que todo artista deveria atentar para não ser exemplo de
arbitrariedade!
Amava os livros!
Certo dia, saiu com
um sob o braço e incapaz de parar de lê-lo sentou-se na praça e começou a ler.
Ávido pela leitura
que lhe absorvia, começou a devorar as páginas, que lhe prendiam cada vez mais
e intensamente a atenção! O tempo passava e o simples fato de pensar algo que
não fosse ler, o irritava, e assim, afastava imediatamente de seu pensamento
nada que não fosse exclusivamente continuar a ler!
As horas se
passaram, passaram-se dias, meses, anos, e ele sobre o banco da praça a ler!
Diz-se que, ainda
hoje, ao se passar naquela praça, podemos vê-lo lendo, um livro da vida que não
se esgota e não se acaba, e sempre que alguém chega perto para perguntar-lhe
algo, ou por simples curiosidade, ele volta o rosto, franze a testa, ajeita os
óculos e volta a ler.
A pátina do tempo é
perceptível em suas roupas da década de 80, seus cabelos que encanecem, sua
magreza despretensiosa, mas nada há que lhe retire do estado beatífico de
leitor!
Assim, ficou ali pela
a eternidade!
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