Espaço de sentir e pensar de Laércio Lopes de Araujo

domingo, 5 de janeiro de 2014

Escrevinhador






Sentado na frente do computador, parado há algumas horas pensando nas muitas coisas que gostaria de escrever, paralisado pelo imenso peso da responsabilidade de colocar sentimentos, pensamentos e, portanto dores, na tela que se oferecia inerte à sua frente.
Uma pergunta se repetia incansável, por que escrever? Por que submeter-se ao terrível destino de escrever e esperar ser lido? O que o movia?
Eis a questão fundamental do escrevinhador. Tornar-se um escritor. Escritor é aquele que tem apenas um objetivo, responder às suas ansiedades, aos seus temores, às suas dores e às de todos aqueles que lhe derem a graça de ler seus escritos. Realizar a humanidade de cada um na inteiração entre o que está escrito e o que é lido. Porque certamente o que está escrito nunca é o que é lido! Mas algo que fica entre quem escreve e quem lê, como uma intimidade dividida com muita parcimônia entre aquele que emite a ideia, o sentimento, e aquele que a pensa e sente.
A responsabilidade de escrever é paralisante, porque o medo de não ser lido, de não dizer nada é muitas vezes opressora! Se o leitor soubesse o poder que tem sobre aquele que escreve, sentir-se-ia senhor da obra!
Mas lá estava ele paralisado em frente ao teclado, que o desafiava, com um ar irônico de desafio e zombaria. Apenas quem já ficou paralisado na frente do teclado, com o prompt piscando, de forma a torturar a noção de tempo é capaz de perceber a aflição que reside no ato de escrever!
Mas lá estava ele, certo de que seu desejo era apenas e tão somente ser lido, dizer ao mundo o que guardava em seu coração. Sabia que o que tinha para dizer não era mais especial, nem mais importante, do que qualquer outro ser humano poderia dizer, não era isso que o impelia, mas apenas a sua natureza de desejar fazer-se compreender, de fazer-se transparente para um mundo opaco.
Seu móvel era trazer mais liberdade, desafiar as cadeias mentais, as pobrezas intelectuais que se afirmavam, romper com o silêncio constrangedor que cercava as obras escritas e amparadas apenas por um desejo de beija-mãos, ou de reprodução da ignorância o que era, certamente mais aflitivo!
Não se trata de escrever o que todos desejam ouvir, desejam ler, desejam ter em suas mentes como formas de afirmação do óbvio e que nos dão aquela segurança bovina de não sermos reprovados. Ah, sim, o medo da reprovação, é certamente a forma mais violenta de escravização do pensamento. Por que devemos pensar apenas o que se nos é permitido?
Por que temos de aplaudir quem quer proibir cigarros em locais públicos, praças, ruas, enfim, por que temos que condenar nossos vícios, única garantia de nossa humanidade? Por que temos que acreditar que o outro que não acredita em nosso Deus é ímpio e deve ser aniquilado? Por que temos que acreditar que proibir as bebidas em parques, basta para que não haja arruaceiros, quando então, todos os que gostam de beber no parque devem deixar de fazê-lo em nome da redução de gastos nos hospitais públicos e do sossego dos que não sabem conviver com a diferença?
Será que logo ser gordo será um pecado mortal? Teremos que proibir doces, farinhas, feijoadas, costelas, por que nos farão mal e aumentarão os gastos com saúde pública? Proibiremos aparelhos de som com potência que possa ofender o tímpano? Passaremos a colocar limitadores de velocidade em todos os carros para que não passem de 100 km/h?
Na sequência, colocaremos câmeras em todas as ruas, esquinas, árvores, postes, locais públicos, para impedir a violência? Poderemos fazer muros em volta das cidades para controlar a identidade das pessoas que entram em saem delas?
Todos pensarão iguais, farão a mesma coisa, assistirão aos mesmos programas, viverá da mesma forma, tal qual Admirável Mundo Novo?
Com certeza assim será apenas para a grande maioria, tal qual gado, que se coloca a disposição de uma casta de privilegiados que estará encastelado em um paraíso sem nada disso, podendo fazer o que bem entendem, e assim, únicos humanos entre bilhões de escravos!
Ele despertou do torpor que o cimentava na cadeira, olhou a tela, o prompt, o teclado e decidiu-se por gritar, em caixa alta tudo que gostaria de dizer para alertar o mundo, que precisamos estudar mais Epicuro, mais os hedonistas. Precisamos esquecer que o mundo pode ser melhor à custa de nossa frágil humanidade!
Pôs-se a escrever, freneticamente, horas, dias, semanas, até que um dia fundiu-se ao teclado, e está, como um alter-ego, soprando a todo que escreve, com liberdade, que não ceda ao imperativo da desumanização que se opera a cada momento que lemos algo estúpido, que busca a nossa despersonalização, que busca a unanimidade burra, que sepulta toda possibilidade de existência, para além de um repolho!

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