Espaço de sentir e pensar de Laércio Lopes de Araujo

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Enriquecimento ilícito não deve ser crime




Na seção TENDENCIAS E DEBATES da FOLHA de hoje, temos um texto do grande doutrinador Dr. Luiz Flávio Gomes que, no entanto, com toda vênia, discordamos em gênero e número.
Sendo o ilustre professor do direito penal, uma figura que já transitou pelo ministério público e pela judicatura, é espantoso perceber a falta de cuidado e respeito com os profissionais da justiça, no texto que pede que enriquecimento ilícito seja crime. No Brasil é sempre assim, há algo de errado, vamos criar um novo tipo penal, ou seja, somos uma sociedade de barbárie que adora pena, adora punição e nunca reparação do erro.
Lamento que não seja fiel a suas opiniões, também no que tange à probidade administrativa, porque, nas primeiras linhas do texto exprime: “Não sou favorável a criminalizar tudo que a mídia e a população amedrontada entendem que deve merecer castigo penal”.
É absolutamente verdade que o direito penal, tem necessariamente uma limitada capacidade de prevenção dos delitos, que não é a intensidade da pena que coíbe a ação delituosa. Ora, se isto é um dado, porque criminalizar mais uma das consequências de nossa natureza, que é o desejo de amealhar, de enriquecer.
Por óbvio tal desejo deve ser satisfeito sempre na sua relação com um comportamento moral do indivíduo e ético para com a sociedade. Não acredito que tipos penais no novo Código Penal venham a coibir tais práticas, apenas aumentar-lhe-ão os riscos, e com isso o valor das “propinas”.
Não, não devemos estar a defender que milhares de políticos, juízes e fiscais devam ser pegos, porque o pressuposto básico é de que todos são honestos, até prova em contrário.
Todos devemos ser absolutamente responsáveis pelo que fazemos, se houver a suspeita de um político ou fiscal venal, que se investigue, se na apuração dos fatos constatar-se com provas concretas e conclusivas que houve corrupção, que se puna corruptor e corrupto com uma forma de reparação.
Basta que o juiz, o político, o fiscal, o policial tenham de devolver o valor recebido na forma de favor imoral ou ilegal, com um acréscimo de 20%, que isto já inibiria muito a ação. Basta que a polícia, que também não pode ser corrupta, haja de boa fé, levante as provas, determine o quantum recebido e promova ação para a devolução com a multa.
Perguntarão, por que 20%, porque não 110%, ou todo o patrimônio do indivíduo? Porque nem tudo foi adquirido de forma ilícita, porque a punição que esfola o punido não educa, apenas é vingança, e vingança tem como resultado mais destruição da malha social.
Quanto ao corruptor, levante-se o benefício que teve e se multe em 20%, basta. Ora, se sonegou R$ 1 milhão de reais, o direito que o Estado tem ao seu patrimônio é de R$ 1 milhão de reais e não de R$ 4 milhões como muitas vezes acontece. Se ele souber que ao ser pego, terá de pagar os R$ 1 milhão e mais R$ 200 mil de multa, e que vai pagar, e que não terá subterfúgios, e que a lei valerá para ele e para todos, não há porque corromper.
Nossas leis criam multas estratosféricas, punições exemplares, proibição de operação, fechamento e, no entanto, poucas ou quase nenhuma são efetivas, porque elas são feitas para serem descumpridas, são feitas para que um dia venha uma anistia, muito desejada e bem paga, e resolva o problema de todos.
Anistias sim deveriam ser proibidas, são vergonhosas, desprestigiam o trabalho do policial, do fiscal, do magistrado, premiam o mau pagador, premiam aquele que não cumpre suas obrigações, ou seja, as normas são feitas para serem descumpridas.
Vejam como boas intenções em direito penal geram monstros, qual a pena para homicídio culposo?
Art 121. Matar alguem:
(...)
Homicídio culposo
§ 3º Se o homicídio é culposo: (Vide Lei nº 4.611, de 1965)
Pena - detenção, de um a três anos.

Agora vamos comparar com a pena para quem dá carona a eleitor no dia da eleição, mesmo que não esteja fazendo campanha ou pedindo votos:
Art. 302. Promover, no dia da eleição, com o fim de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto a concentração de eleitores, sob qualquer forma, inclusive o fornecimento gratuito de alimento e transporte coletivo:(Redação dada pelo Decreto-Lei nº 1.064, de 24.10.1969)
        Pena - reclusão de quatro (4) a seis (6) anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa. ((Redação dada pelo Decreto-Lei nº 1.064, de 24.10.1969)
Um absurdo, precisamos comentar mais?
É muito bonito pedir penas cada vez mais altas conforme a temperatura da indignação popular, mas sabemos que aumentar a população carcerária não resolve, até porque não há prisões suficientes, e também, não vejo nas prisões pessoas que tenham uma condição social elevada.
É uma indecência a proposta do tipo penal como se pretende criar no novo Código Penal, porque é mero cosmético, é mera forma de criar uma forma de dizer: “vejam, agora enriquecer ilicitamente dá cadeia!”
Vamos parar com esta onda de criminalização, isto não leva a absolutamente nada, temos sempre de pensar em reparação, em reconstituição do tecido social, de fazer com que as pessoas se arrependam do malfeito.
Se já existem os crimes de peculato e de corrupção, que provados levam a quantificar o valor indevidamente recebido, porque criar mais um tipo penal, se este não só é subsidiário como consequência daqueles?
Está na hora de repensar o Brasil, de parar de se penalizar tudo, para que criar novos criminosos, vejo tal defesa como uma nova reserva de mercado para bons advogados penalistas, já que há um excedente de mercado esperando por causas!
Outro aspecto absurdo do tipo penal proposto é a intenção de permitir que a lei retroaja no tempo in mallam partem, porque mesmo em caso de enriquecimento ilícito antes da lei, o corrupto estaria usufruindo da conduta. Acredito então que poderíamos investigar se há algum descendente do Marquês de Pombal que ainda usufrua de algum bem ilicitamente adquirido por aquele durante sua permanência como Ministro de Estado de D. José I.
Realmente há uma vulgarização da moral, mas ela se resolve com educação, não a educação formal, mas a educação construída numa sociedade plural e aberta, em que os governantes e partidos sejam repetidamente alternados no poder, onde não se permita a continuidade.
Haverá uma solidez moral quando, quando quem praticar o ato imoral tenha que repará-lo, de forma inafastável, de forma exequível. Penalizar é o caminho mais seguro para que nada mude, nada aconteça, e para que nossas consciências se acalmem porque tudo está bem no melhor dos mundos possíveis (uma homenagem ao professor Pangloss).
Menos tipos penais, e mais sanções que levem à reparação, este é o caminho de um país civilizado que quer mudar o perfil de sua cultura!

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