Na seção TENDENCIAS E DEBATES da FOLHA de hoje, temos um texto do
grande doutrinador Dr. Luiz Flávio Gomes que, no entanto, com toda vênia,
discordamos em gênero e número.
Sendo o ilustre professor do direito penal, uma figura que já
transitou pelo ministério público e pela judicatura, é espantoso perceber a
falta de cuidado e respeito com os profissionais da justiça, no texto que pede
que enriquecimento ilícito seja crime. No Brasil é sempre assim, há algo de
errado, vamos criar um novo tipo penal, ou seja, somos uma sociedade de
barbárie que adora pena, adora punição e nunca reparação do erro.
Lamento que não seja fiel a suas opiniões, também no que tange à
probidade administrativa, porque, nas primeiras linhas do texto exprime: “Não
sou favorável a criminalizar tudo que a mídia e a população amedrontada
entendem que deve merecer castigo penal”.
É absolutamente verdade que o direito penal, tem necessariamente
uma limitada capacidade de prevenção dos delitos, que não é a intensidade da
pena que coíbe a ação delituosa. Ora, se isto é um dado, porque criminalizar
mais uma das consequências de nossa natureza, que é o desejo de amealhar, de
enriquecer.
Por óbvio tal desejo deve ser satisfeito sempre na sua relação com
um comportamento moral do indivíduo e ético para com a sociedade. Não acredito
que tipos penais no novo Código Penal venham a coibir tais práticas, apenas
aumentar-lhe-ão os riscos, e com isso o valor das “propinas”.
Não, não devemos estar a defender que milhares de políticos,
juízes e fiscais devam ser pegos, porque o pressuposto básico é de que todos
são honestos, até prova em contrário.
Todos devemos ser absolutamente responsáveis pelo que fazemos, se
houver a suspeita de um político ou fiscal venal, que se investigue, se na
apuração dos fatos constatar-se com provas concretas e conclusivas que houve
corrupção, que se puna corruptor e corrupto com uma forma de reparação.
Basta que o juiz, o político, o fiscal, o policial tenham de
devolver o valor recebido na forma de favor imoral ou ilegal, com um acréscimo
de 20%, que isto já inibiria muito a ação. Basta que a polícia, que também não
pode ser corrupta, haja de boa fé, levante as provas, determine o quantum
recebido e promova ação para a devolução com a multa.
Perguntarão, por que 20%, porque não 110%, ou todo o patrimônio do
indivíduo? Porque nem tudo foi adquirido de forma ilícita, porque a punição que
esfola o punido não educa, apenas é vingança, e vingança tem como resultado
mais destruição da malha social.
Quanto ao corruptor, levante-se o benefício que teve e se multe em
20%, basta. Ora, se sonegou R$ 1 milhão de reais, o direito que o Estado tem ao
seu patrimônio é de R$ 1 milhão de reais e não de R$ 4 milhões como muitas
vezes acontece. Se ele souber que ao ser pego, terá de pagar os R$ 1 milhão e
mais R$ 200 mil de multa, e que vai pagar, e que não terá subterfúgios, e que a
lei valerá para ele e para todos, não há porque corromper.
Nossas leis criam multas estratosféricas, punições exemplares, proibição
de operação, fechamento e, no entanto, poucas ou quase nenhuma são efetivas,
porque elas são feitas para serem descumpridas, são feitas para que um dia
venha uma anistia, muito desejada e bem paga, e resolva o problema de todos.
Anistias sim deveriam ser proibidas, são vergonhosas, desprestigiam
o trabalho do policial, do fiscal, do magistrado, premiam o mau pagador, premiam
aquele que não cumpre suas obrigações, ou seja, as normas são feitas para serem
descumpridas.
Vejam como boas intenções em direito penal geram monstros, qual a
pena para homicídio culposo?
Art 121. Matar alguem:
(...)
Homicídio culposo
§ 3º Se o
homicídio é culposo: (Vide
Lei nº 4.611, de 1965)
Pena - detenção, de um a três anos.
Agora vamos comparar com a pena para quem dá carona a eleitor no
dia da eleição, mesmo que não esteja fazendo campanha ou pedindo votos:
Art. 302. Promover, no dia da eleição,
com o fim de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto a concentração
de eleitores, sob qualquer forma, inclusive o fornecimento gratuito de alimento
e transporte coletivo:(Redação dada pelo Decreto-Lei nº 1.064, de 24.10.1969)
Pena - reclusão de quatro (4) a seis (6) anos e pagamento de 200 a 300
dias-multa. ((Redação dada pelo Decreto-Lei nº 1.064, de 24.10.1969)
Um absurdo, precisamos comentar mais?
É muito bonito pedir penas cada vez mais altas conforme a
temperatura da indignação popular, mas sabemos que aumentar a população carcerária
não resolve, até porque não há prisões suficientes, e também, não vejo nas
prisões pessoas que tenham uma condição social elevada.
É uma indecência a proposta do tipo penal como se pretende criar
no novo Código Penal, porque é mero cosmético, é mera forma de criar uma forma
de dizer: “vejam, agora enriquecer ilicitamente dá cadeia!”
Vamos parar com esta onda de criminalização, isto não leva a
absolutamente nada, temos sempre de pensar em reparação, em reconstituição do
tecido social, de fazer com que as pessoas se arrependam do malfeito.
Se já existem os crimes de peculato e de corrupção, que provados
levam a quantificar o valor indevidamente recebido, porque criar mais um tipo
penal, se este não só é subsidiário como consequência daqueles?
Está na hora de repensar o Brasil, de parar de se penalizar tudo,
para que criar novos criminosos, vejo tal defesa como uma nova reserva de
mercado para bons advogados penalistas, já que há um excedente de mercado
esperando por causas!
Outro aspecto absurdo do tipo penal proposto é a intenção de
permitir que a lei retroaja no tempo in
mallam partem, porque mesmo em caso de enriquecimento ilícito antes da lei,
o corrupto estaria usufruindo da conduta. Acredito então que poderíamos
investigar se há algum descendente do Marquês de Pombal que ainda usufrua de
algum bem ilicitamente adquirido por aquele durante sua permanência como
Ministro de Estado de D. José I.
Realmente há uma vulgarização da moral, mas ela se resolve com
educação, não a educação formal, mas a educação construída numa sociedade
plural e aberta, em que os governantes e partidos sejam repetidamente
alternados no poder, onde não se permita a continuidade.
Haverá uma solidez moral quando, quando quem praticar o ato imoral tenha que repará-lo, de forma inafastável, de forma exequível. Penalizar é o caminho mais
seguro para que nada mude, nada aconteça, e para que nossas consciências se
acalmem porque tudo está bem no melhor dos mundos possíveis (uma homenagem ao professor Pangloss).
Menos tipos penais, e mais sanções que levem à reparação, este é o
caminho de um país civilizado que quer mudar o perfil de sua cultura!
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