Tenho lido com muita atenção os textos de Hélio Schwartsman que
tem feito da página 2 da FOLHA um espaço maravilhoso de reflexão. Clóvis Rossi
teve um sucessor digno do colunista que deixou o espaço!
Na maior parte das vezes eu teria que concordar com Hélio em todas
as suas colocações, com sua lucidez na análise das questões como a absolvição
do réu da acusação de estupro de duas meninas menores, da contradição e do erro
de considerar constitucional a criação de cotas raciais.
Hoje, porém tenho de discordar. Acredito que a invenção da polícia
foi uma das piores coisas que aconteceram à humanidade. Quero me fazer
entender, não sou contra os policiais, que são dignos servidores públicos, que
têm uma importante e ineludível função social. Meu problema é com a instituição
policial, que por todos os ângulos que se lhe analise, é antes de tudo um
problema, muito mais que uma solução.
A polícia compreendida como um subproduto do Estado Leviathan
pensado por Hobbes, e por tal, uma consequência do contrato social de homens
envilecidos por sua natureza, é antes uma denúncia de nossa hipocrisia e de
nossa impiedade, do que uma forma de institucionalização da violência para
proteção de todos os homens e mulheres.
O monopólio da violência pelo Estado não é uma garantia de paz
social. Não o é porque o Estado não é eficaz e muito menos eficiente. Hoje
mesmo em reportagem na Globo News havia a constatação de que a sociedade
brasileira gasta muito mais do que o Estado em segurança. Ou seja, além de
transferirmos o monopólio da violência para o Estado, este por sua própria ineficiência,
cria uma demanda por violência privada, tolerada pelo Estado, e que, além de
expor-lhe a falência é uma denúncia de que, não interessa aos governos
providenciar que o Estado seja eficiente, porque isto não permitiria a
apropriação privada da violência permitida.
A estupidez que marcou o plebiscito sobre a permissão do porte de
armas foi algo que explicitou bem a união da esperteza com a sandice. Por óbvio
que permitir que o cidadão se arme não diminui a violência. Só a multiplica.
Dizer que todos os ladrões saberiam que a população está desarmada
é antes de tudo um exercício de má fé. Posto que qualquer um que tivesse arma
estaria cometendo um crime. Um homem, qualquer homem, que tenha uma arma e que
acredite que pode usá-la é um potencial criminoso, mesmo que se pareça com São
Francisco! Não há como afastar que uma arma só serve para uma única e exclusiva
coisa, ferir as pessoas, roubar-lhe a vida.
Quando um policial civil tenta entrar armado numa agência
bancária, sem estar a serviço ou sem ter sido chamado para atender uma
ocorrência, ele está sim praticando uma violência.
Vou contar um fato que me marcou, e que em minha história explica
porque nunca peguei numa arma, e por acreditar que nunca pegarei numa por
qualquer motivo.
Tinha ainda 7 anos quando corria o regime militar, e minha tia que
tinha uma Rural resolveu levar a minha mãe, meus dois irmãos, eu e meus três
primos para sua fazenda em Tibagí, saindo de Ponta Grossa. No meio do percurso
fomos parados por uma batida da polícia civil (DEOPS ??) e policiais do
exército. Fizeram-nos sair todos do carro, e apontando, o que vim a saber muito
mais tarde, fuzis (os policiais do exército) e calibres 12 (policiais civis)
fizeram minha tia e minha mãe abrir todo o carro, e nos colocaram em fila na
beira da estrada.
Sempre acreditei que naquele momento passei a ser revolucionário,
não para matar ninguém, mas para destruir com ideias o arbítrio e a estupidez.
Se duas mulheres e seis crianças numa Rural poderiam representar um perigo para
o Regime, que regime era esse? Armas só servem para intimidar, só servem para
mostrar o quanto o mais forte tem medo de mostrar que sem a arma, é apenas um
pálido reflexo de uma coragem inexistente!
Contra o tráfico a polícia não funciona, como a grande maioria dos
assassinatos está relacionada com o álcool e com drogas, a polícia é pouco
efetiva na grande maioria dos crimes de morte. Um policial que ganha pouco mais
de R$ 2 mil não pode expor impunemente a sua vida. Nem eu o faria. Num confronto
com traficantes drogados, quem tem mais a perder? Somos uma sociedade de
hipócritas se queremos que um soldado dê sua vida por uma miséria. O problema
não é a polícia ganhar mal, o problema é acreditar que uma sociedade de
consumo, que gera imensas necessidades nas pessoas tem a intenção de se
proteger daqueles que querem participar do festim, fingindo que constituem uma
instituição para reprimir a violência gerada pelas próprias necessidades que
impõe!
Acerta Hélio quando diz que o sistema funciona relativamente
contra crimes de roubo de banco. Mas quanto a polícia recebe para elucidar tal
crimes? Ou, melhor, avaliemos a estupidez de uma trinca de meliantes que tenta
roubar uma joalheria de um shopping caríssimo no centro de uma capital como recentemente
aconteceu em Curitiba? Com certeza metade da polícia de choque estaria atrás
deles em menos de alguns minutos! Assim foi!
Não estão errados os policiais, estamos errados nós que elegemos
maus governantes e representantes, e vamos parar de passar a mão na cabeça do
povo, de todos nós, os responsáveis por termos tráfico, somos nós, quem é que
vai comprar peças na robauto, quem aceita comprar um aparelho de R$ 4 mil por
R$ 800, quem aceita descobrir uma maneira de diminuir o prejuízo negociando com
aquele que lhe furtou?
A única maneira de resolver uma parte grande, talvez a mais
significativa, é resolver o problema da drogadição, é procurar fazer o caminho
inverso do que se está a fazer com o cigarro!
Não está na hora de começar a escutar o que tem a nos dizer
Fernando Henrique Cardoso!
Difícil mesmo é ter humildade para enteder que a violência é
inerente ao ser humano, e que assim, o que temos que fazer é buscar formas de
canalizá-la para coisas positivas.
Vamos pensar juntos? Pensar dói!
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