Espaço de sentir e pensar de Laércio Lopes de Araujo

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Desespero de mim




Choro desesperadamente tua ausência. Tua ausência em mim, desejada, consentida, buscada para além do meu desejo, para além do meu querer.
Minha beleza rejeitada como peso, como dever de conservação, uso-a para te seduzir, para te perturbar, para te atrair, mas o que fazes, é antes, mostrar-me a insignificância de minha existência, uma existência que se arrasta entre um ato de amor e outro, como apenas e tão somente orgasmos perdidos em tempos comprimidos entre ausências.
O silêncio a que me forças, o silêncio a que me condenas, se expressa no choro que marca meu rosto, que faz meus olhos inchados, que me curva sobre mim mesmo, como que, buscando lamber as feridas que teu desprezo e ausência vão produzindo em meu corpo.
Abro mão de minha intimidade, escancaro minha privacidade, desfaço da dignidade de meu corpo e não consigo mostrar o quanto me fazes bem, por me fazeres mal. Não me compreendo, não consigo compreender de forma clara, que se estivesses a meu lado, enchendo-me de carinho, enfadaria-me tua presença, repulsaria-me tua má consciência e tua desfaçatez.
Caminho para o abismo, certa de que eu o procuro e o realizo em minha louca certeza do afeto que te tenho, sem que este afeto não me traga outra coisa, que um sofrimento sem sentido, uma desdita que marca meu desamor, antes por mim do que por toda a humanidade.
Pelas ruas chamam-me a atenção uma imagem negativa, em oposição, ao que me pode amar, como uma condenação perpétua ao sofrimento e à solidão, que acarinho como se fosse minha própria forma de expressar meu existir.
Meu choro, que encharca minha alma de dores, é o lamento de não me aceitar como livre e solitária até a condição de uma condenação, de um desesperador existir vão e estéril.
Não creio que sou capaz, porque sou capaz de não acreditar na verdade que se abate sobre minha existência, que marca meu corpo e minha alma, deixando neles sulcos e cicatrizes, causados pelos açoites que permito, outros que pensei amar, lançar sobre minha ensandecida existência.
Mas sei que em algum ponto deste existir, há um momento em que existirei para além dos sofrimentos, e neste ponto, estarei pronta para gozar, amar, beijar e enlouquecer de amor, como se fosse a única e última vez, até um suspiro final.
Porque amar é morrer!

Homens e seus desertos



Caminhamos pelo deserto de nós mesmos, convencidos que nossos direitos e valores estendidos à universalidade, tornariam o mundo melhor. Engano, um mundo à nossa imagem e semelhança seria tão somente a repetição deste mundo, com todas as suas imperfeições e dúvidas.
Quando assumimos soluções de compromisso, estamos sempre fazendo com que todos os participantes restem inconformados, é apenas um armistício que antecede o novo conflito. Não somos animais cordiais, não somos sequer animais que se preocupam com a preservação da espécie, porque apenas nos interessamos na preservação do indivíduo, de nós como única possibilidade de síntese da humanidade toda.
Estamos sempre em busca, mas esta busca, que é nada mais que a ansiedade para o preenchimento do vazio que nos devora, será sempre e necessariamente frustrada, porque somos o próprio vazio, somos poços de desejos insaciáveis, somos faltas que se relacionam, numa frenética dança ensandecida, que procura, procura, para nunca achar.
Somos deserto de nós mesmos, somos ausência, somos ruidosos em nossa incapacidade de viver o silêncio aterrador da existência e sua finitude.
Somos criaturas condenadas a existir entre o acidente e a necessidade, num lapso de tempo que consumimos sem qualquer objetivo, sem qualquer grandeza, a não ser as pequenas miudezas da bondade. Estamos condenados ao fracasso, travestido de sucesso. Buscamos sempre nossa realização como afirmação sobre o outro. Somos a busca insana da negação da alteridade.
Em realidade somos um imenso e inconfundível teorema sem resposta, um enigma estúpido, que não permite solução, porque apenas acidente atávico de um fenômeno surgido do caos e não previsto. Sim, a vida é apenas um acidente na história do universo, e um acidente que não encontra razão a não ser em si mesma.
Gasta energia, esforço, determinação apenas e tão somente para perpetuar-se, como se o objetivo maior fosse tão e simplesmente permanecer a vida, como existente nessa franja do Universo, como possibilidade permanente, o que é desde sempre uma impossibilidade perante a fugacidade e a precariedade do próprio Universo.
Não somos cordiais, nem ao menos pios, somos os mestres dos conflitos, sejam eles velados ou desvelados, somos amantes da guerra e do ódio, não nos perdoamos e muito menos perdoamos aos outros, somos mares profundos de preconceitos, tão plenamente consistentes, que não lutamos por nossos objetivos, mas para aniquilar o objetivo dos outros.
A esquerda não se compraz em melhorar a vida de um humano idealizado, mas sim de aniquilar as convicções, e com elas os próprios sujeitos, que se pensam de direita. Os liberais ficam na inexplicável situação de pensar o impensável, de conceber um mundo em que esquerda e direita convivam sem preconceitos. A esquerda hoje é tão ou mais nociva que a direita, porque herdou da direita reacionária do século XIX todas as certezas, todas as verdades últimas, ou seja, todas as mentiras que fazem do mundo um lugar de conflito e desarmonia.
A natureza não é harmônica, e não precisamos pensar muito sobre isso, nós somos seres da natureza, somos animais bípedes e implumes, carregando um grande e pesado cérebro, que consome uma quantidade enorme de energia para pensar suas próprias possibilidades de autodestruição.
Fazemos todos os dias um esforço atávico para parecer diferentes do que somos, para nos convencermos de que somos a criação mais perfeita e pensada da natureza, sem que nos demos conta de que somos tão frágeis, tão contingentes, tão insuficientes, quanto todos os outros animais e seres vivos.
Penso e repenso minha existência, de uma maneira compulsiva, buscando apenas me esforçar por ser mais coerente, permanente, consistente com o que acredito e defendo.
Pergunto-me, por que temos de esconder o que somos e pensamos verdadeiramente? Por que nos sujeitamos ao politicamente correto? Por que nos sujeitamos a governos que nos dividem, esfacelam nossas identidades, criando falsos pertencimentos, na busca de dividir para governar?
Ficamos agarrados em conceitos espúrios. Gênero, raça, classe, culturas a serem preservadas no neolítico, conceitos construídos e retrabalhados para dividir a sociedade num imenso caleidoscópio fragmentário, que impede a compreensão do todo e da percepção do quanto estamos submetidos a falsas ideias, a falsas crenças, a dogmas políticos que buscam a perpetuação da mediocridade contra o mérito.
Quanta estupidez reunida numa criatura insignificante que caminha oscilante entre um acidente e uma necessidade, alheada de si própria, alienada de seus pensamentos, dividida de seus irmãos, incapaz de erguer-se e defender a liberdade de pertencer, todo e inteiro, ao outro amado, com todos os seus preconceitos e conflitos!
Melhor do que nós os bonobos, talvez por isso, estejamos condenando estas maravilhosas criaturas à extinção, na medida em que, primatas como nós, os Homo paniscus, tão próximos dos Homo sapiens neanderthalis e dos Homo sapiens sapiens, são condenados, por nossas torpezas a permanecerm tão distantes de Deus.