Espaço de sentir e pensar de Laércio Lopes de Araujo

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Aos 7 e aos 40





Aos 7 e aos 40
João Anzanello Carrascoza

Sinopse

Fazendo uso de uma estrutura bastante inovadora, Carrascoza conta duas histórias simultaneamente, que correspondem a dois momentos distintos na vida do personagem principal, que nunca é nomeado - seus sete e seus quarenta anos. Com capítulos intercalados, os ímpares narrando a infância e os pares a vida adulta, o autor se usa dessa estratégia para construir a oposição já presente no texto. Assim como a própria infância, os capítulos dedicados ao sétimo ano de vida do personagem são compostos de breves, mas intensos, episódios independentes, sobre suas experiências - a transgressão de roubar com um amigo o pássaro do vizinho; o esforço para seguir em frente após a perda do primeiro amor; as partidas de futebol disputadas com o irmão ao fim de tarde no quintal de casa. Ao melhor estilo Cortázar, os capítulos ímpares podem ser lidos em qualquer sequências. Os capítulos dedicados à vida adulta, ao contrário, trazem uma sequência de acontecimentos cronológicos relacionados à crise vivenciada pelo personagem aos quarenta anos; a separação da mulher, a falta dolorosa que sente do filho. Interessante é notar, ao longo da leitura, como a personalidade e o caráter do menino que começavam a se formar na infância se fazem notar na maturidade. Num jogo de ação e reação, os títulos dos capítulos sintetizam os dois momentos por meio da oposição - 'fim' e 'recomeço', 'silêncio' e 'som', 'nunca mais' e 'para sempre'. Da mesma maneira, o projeto gráfico dialoga com esta dualidade - impresso em uma cor, sobre papel verde, o livro traz as narrativas da infância na parte superior da página enquanto as da vida adulta se encontram na inferior, acentuando os dois momentos distintos do personagem.

Como sinto:

Esta é a primeira novela de Carrascoza, e a única palavra que se lhe cabe é que é brilhante. Uma prosa leve, agradável, comecei a ler numa manhã de domingo e só parei quando havia concluído o livro. Posso até ser alcunhado de romântico ou excessivamente sensível, mas chorei ao final, porque o livro consegue dialogar com nossos sentimentos mais profundos. Para mim, um dos mais belos textos que já li.
O livro é de uma organicidade incrível e apesar da crítica dizer que pode ser lido em qualquer sequência, ou que não se lhe exige um rigorismo cronológico, o que faz sentido é exatamente a construção do sentimento que habita cada um de nós, nos divórcios, nas ausências, nos abandonos, nas inconstâncias que nos afligem entre os 7 e os 40.
Não tendo qualquer semelhança com Minhas Putas Tristes de Gabo, com ele guarda uma relação temática que é a irreversibilidade do tempo, o divórcio entre o que pretendíamos, sonhávamos, acreditávamos e o que a vida nos deixou, o que ela nos apresentou como realidade que roubou parte de nossos sonhos, de nossas crenças, de nossa pureza original.
Perdemos ao longo do caminho muito do que não pode ser recuperado, mesmo que ansiosamente buscado, e a dor e a angústia do reencontro apenas fazem assinalar todo o sofrimento da irreversibilidade do tempo.
O livro é uma obra de arte de um escritor maduro, que nos faz sentir com ele e em relação com o texto, boa parte das experiências de nossa própria vida.
Impossível ignorar este texto.



quinta-feira, 24 de setembro de 2015

...





Ando pelas ruas, pensando no que devo fazer, no que tenho que fazer, no que quero fazer, e descubro que não há qualquer sentido, mesmo que buscado e esperado.
Vejo uma multidão de anônimos circundantes, todos desconhecidos, todos ensimesmados, todos buscando um sentido que não existe, buscando algo onde não há nada para ser achado, todos correndo atrás de um tempo que é mera convenção, sem perceber que nada há para ser perseguido, conquistado, vivido...
Escuto música, uma música que vem de outros tempos, onde outro eu era e sonhava com outras coisas que não mais ouso sonhar. Ouço as músicas com o prazer saudoso de um tempo que não mais existe, de uma alegria, de uma juventude que foi, para não mais voltar. Ouço as músicas que me prometiam tanta energia, alegria, conquista e ação, que se frustraram num mar de obrigações, compromissos, valores alienígenas à minha alma.
O país que percorro traiu sempre, e tal como algo previsível, permanece traindo todas as promessas de que um dia viveria bem, sem inflação, sem juros altos, sem correção monetária, sem o descalabro de um sistema político ilegítimo e injusto. Continuo a viver num país de fancaria, onde a banda permanece passando para gáudio da patuleia, para o entorpecimento das consciências, onde todo jogo político é magia para produzir mais sofrimento, desmando e desalento.
O futuro que nos aguarda é nenhum, os que podem, partem destas terras onde não mais canta o sabiá, nem a arara, nem o canário, onde o que canta são as aves de agouro, cantando o círculo vicioso do país do futuro que fica sempre num futuro cada vez mais distante.
Caminho pelas ruas como se fossem leitos secos de rios extintos há muito na memória do tempo, onde só há pedras e poeira, onde não mais existem peixes, onde não mais encontro esperança. São como veias ressecadas pela violência da divisão provocada e fomentada pela esquerda vil, que se apropriou de nossas consciências.
Não me sinto culpado pelas misérias que assolam meu país, sinto-me antes vítima dos discursos segregacionistas, revolto-me com o retorno do conceito de raça, repugna-me as clivagens artificialmente criadas na sociedade de um país tão pobre.
Acreditei um dia que viveria num país com inflação decente e moeda forte, depois de tanto desespero vivido como consequência de um insano nacional desenvolvimentismo, dos incapazes gerentes militares do Estado nas décadas de 70 e 80. Mas não tive sorte, surgiu no país um salvador da pátria, um novo Dom Sebastião que sucumbiu num novo Alcácer Qibir, agora feito de mensalões e petrolões. Não sem antes reproduzir na nova matriz econômica todos os erros do nacional desenvolvimentismo. Mas na sua jactância, plena de ignorância, não conseguiu mais do que desfazer a promessa de um novo país.
Caminho pelas ruas como se fossem as de Berlim em 1945, porque restam apenas escombros de nossas esperanças, escombros da mensagem estúpida de que não deveríamos ter medo de ser feliz.
Nossa sociedade armou uma arapuca em que todos os nossos sonhos e esperanças são presos e devorados, por um Estado gigante que só tem coragem de ameaçar e estraçalhar os homens de bem, os que trabalham, que sonham, que constroem família, e privilegiam os parasitas e os ideólogos de alienígenas pensamentos de esquerda.
A canícula que abrasa este país nada mais é que a proximidade que chegamos das chamas do inferno de Dante, onde todas as boas intenções das más consciências ardem na pira gigantesca da corrupção, do desmando, da estupidez, da incapacidade, do apadrinhamento, da insensatez e da cupidez.
Fossem outros os homens, fossem outros os tempos, já teriam embarcado os mandatários para além Oceano, para morrer em paz, longe destas terras. Mas qual um país às avessas, mandamos morrer em Paris o mais honesto dos governantes, apegam-se ao poder os mais corruptos.
Exércitos de insanos, que se dizem movimento, permanecem ativos para ameaçar a liberdade e a democracia, permanecem alertas para ameaçar a liberdade de pensamento, embaralham impeachment com golpe, esquecendo que o poder, em última instância, é poder do povo, que pode revogar a qualquer momento o mandato que concede.
Desalento... ando nas ruas e penso: ...

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Ignoto






Ignoto, caminho sem direção,
Desconhecido, anônimo,
Impotente, crente na ação.
Digo-me que faço diferença,
Creio na diferença que faço,
Mas o mundo sublinha minha desrazão,
Acentua meu sentimento de perda,
Meu sentimento de perdimento,
Que se acentua perante um Estado,
Que me avilta, que me rouba,
Que me despreza, que me confunde.
Ignoto sou todo o tempo e tanto tempo,
Até que o Estado descobre que pode,
A qualquer tempo, esbulhar-me
De todo esforço, de todo crédito,
De todo trabalho, de toda esperança.
Vivo ignoto e anônimo,
Num país construído por migrantes,
Todos vindos para cá miseráveis,
Todos esperando aqui a redenção,
Que fez apenas construir, o sonho,
De salvar tudo, sem nada salvar!
Ignoto, anônimo, desarrazoado,
Acreditava na democracia,
Tão deslavadamente conspurcada,
Pela falta de legitimidade de toda,
Toda e qualquer representação,
Por que contaminada pelo vício original,
De ser apenas a reprodução,
Reprodução de um sistema espúrio,
Corrupto, corruptor, deformado,
De um mundo blindado para evitar,
Que aquele que vota, saiba em quem,
Saiba como e saiba por que vota.
Ignoto, anônimo, desarrazoado e desesperançado,
Vejo um país consumido por um Estado,
Que qual vampiro, consome o sangue à sociedade,
Consumindo-lhe o melhor de seus anos,
O melhor de sua energia,
Devolvendo apenas, populismo rasteiro,
Migalhas embandeiradas,
Ignorância disseminada e aplaudida,
Bolsas misérias que cativam famintos,
Bolsas misérias que perpetuam pobreza,
Bolsas misérias que tornam partidos campeões,
Campeões de votos nordestinos...
Culpado não é o ignorante que me rouba a esperança,
Que vota em Cunhas, Renans, Dilmas, Collors e Lulas,
Culpados são os que semeiam a ignorância,
Que estão instalados nos palácios,
Que estão instalados nas cátedras,
Pisam vermelhos tapetes, andam em carros de metros,
Que falam a língua da marquetagem,
Ou que nos seduzem com o discurso,
Pseudo-acadêmico, pseudo-filosófico, 
Que esperam apenas suas bolsas,
Seus salários e dedicações "exclusivas",
E articulam a compra das almas e das consciências.
Ignoto, lamentavelmente desperto,
Vejo que não há esperança,
Onde antes havia orgulho,
Que não há alternativa,
Onde antes havia possibilidade,
Ignoto percebo que roubaram meus sonhos,
Devolveram-me misérias,
Acenam-me com outras misérias,
Apelam-me por ajuda, para corrigir,
As mazelas por eles mesmos criadas.
Por que tenho que auxiliar a corrigir,
A quem só fez perder minha esperança?
Se for ajudar, não ajudaria um governo
Que fez perder o Estado em desmandos,
Em corrupção, em medo, em desalento.
Crer que pudesse eu, ignoto e anônimo que sou,
Dando mais de mim, sem qualquer retorno,
Rearranjar o estado de coisas em descalabro,
Seria mais um atestado insano de ignorância.
O que posso fazer eu, ignoto, anônimo, desesperançado,
Senão sangrar e ver o precipício,
De mais impostos, mais Estado,
Mais insanidade de uma esquerda vil,
Corrupta, populista e imatura?
Quero como ignoto, um Estado tão pequeno,
Mas tão pequeno que me permita viver,
Tão forte que me proteja do outro,
E que minimamente seja honesto,
Para além do político, para além do humano.
Ignoto, resta-me apenas sentar sobre o chão,
De um país roubado e vilipendiado,
Chorar todas as falsas esperanças,
Todas as promessas vãs,
Todas as desonestas biografias,
Todas as violações do mérito.
Ignoto, devo desacreditar,
Pela primeira vez, devo desacreditar,
E se eu, ignoto e anônimo, como outros milhares,
Passo a desacreditar,
Abrem-se as portas do Inferno,
Inferno das boas intenções,
Inferno dos salvadores da pátria,
Inferno das bolsas misérias,
Inferno da besta legiferante que...
Diz o que comer,
Diz o que beber,
Diz o que fazer,
Diz o que falar,
E por fim, busca...
Dizer o que devo pensar.

Ignoto eu em meu solitário desespero!