Espaço de sentir e pensar de Laércio Lopes de Araujo

sexta-feira, 17 de março de 2017

Alegria




Alegria, como expressão do sofrimento,
Como forma de esconder uma falta,
Como forma de emendar-me os pedaços!

Percebem-me os sorrisos, os afagos,
Mas não minhas dores, minhas faltas.
Vêm-me como o colo, como o amparo,
Mas não sentem a falta que me faz cada afeto!

Alegria, como expressão de uma tristeza não dita,
Como toda ausência não declarada,
Um contar de histórias, para perceber no outro,
Todo calor que me falta, todo sentido que não tenho!

Transbordo de alegria, para não transbordar de tristeza,
Sorrio, para não inundar o mundo,
Escondo de mim, o rosto triste que me encara no espelho,
E então, nem eu percebo minha solidão!

Então, façamos a ode à alegria,
Talvez assim, a tristeza não parta,
Mas faça de conta que não está aqui,

Apesar de existir, ser uma sucessão de entristeceres!

terça-feira, 14 de março de 2017

Os dias




Passam os dias e tenho a sensação
De que há algo muito errado!
São muito curtos, faço muitas coisas,
Mas deixo muitas outras sem fazer!
Acumulam-se desejos, fazeres, necessidades,
Tenho uma premência torturante de ler,
Faltam-me horas, preciosas horas,
Para ler, escrever, pensar, viver!

Há algo de muito errado com os dias,
São sempre inexplicavelmente curtos,
Impiedosos lapsos temporais insuficientes!
Uma amargura constante, um sabor acre,
Que machuca minha curta existência,
Assinalando minhas insuficiências,
Minha incapacidade de dilatar o tempo!

Sinto uma falta de controlar o tempo,
Tenho uma urgência incontrolável de dilatá-lo...
Mas cruelmente, ele me tortura,
Com o cansaço e o esgotamento,
Então perco as horas de viver, para dormir,
O que põe minha sanidade num fio delgado!

Há algo de muito errado com os dias,
Faltam-lhes horas!
Quem as há subtraído?
Quero-as de volta, porque só assim,
Poderei existir plenamente!
Há algo de muito errado com os dias,
E este errado é a falta de lucidez,
É o ensandecer que me tolda,
Tornando-me alijado de mim!

Os dias...

Há algo de errado!

Paixão




Estar apaixonado é permitir-se
Pensar no outro todo o tempo,
É imaginar-se ao lado do amado,
É desejar constante, é falta constante.

Estar apaixonado é vencer barreiras,
Barreiras de tempo,
Barreiras de estado,
Barreiras de cultura,
É perceber a humanidade como uma, única,
Uma possibilidade sempre aberta.

Estar apaixonado é permitir-se poemar,
É descobrir nas palavras outros sentidos,
É descobrir no tempo outras velocidades,
É viver uma angústia e uma dor diferentes,
Uma felicidade que dói, um alegria que chora.

Estar apaixonado é descobrir,
Que toda nossa humanidade é sentimento,
Que todo nosso pensamento é vão,
Quando não tem por objeto o amado!
É entender nossa incompletude,
Nossa construção inconclusa!

Estar apaixonado é existir!
Existo!

Por que apaixonado...

segunda-feira, 13 de março de 2017

Promessas




Nossas vidas são sequencias de frustrações!
Acreditávamos no Coelho e no Bom Velhinho,
Um dia tivemos de negar sua existência,
Apenas para não parecermos ridículos, 
E então uma tristeza, maior que a vergonha,
Ocupou o lugar da magia que se defez!

Mas que crueldade é esta,
De fazer-nos sonhar toda uma vida,
Na bondade, na misericórdia,
Na eternidade do amor,
Apenas e tão somente para que a neguemos,
Para não parecermos ridículos?

Sim, deitados na primeira infância,
Sonhamos com todos os finais felizes,
Sonhamos com princesas,
Palácios, reis, heróis,
Sentimos que temos parte,
Em cada uma das histórias,
Com um ver e fazer no mundo,
Com final feliz!

Mas então, vêm as perdas,
As angústias, a tristeza,
De cada abandono, de cada sofrimento,
De cada ausência, de cada desamor!
Sim, então sim, surge uma vontade,
Destemida e corajosa, de acreditar,
Que temos sempre uma nova chance...

Mas a teremos...?

Sempre! Porque cada dia nos reinventamos,
Mesmo a melancolia que nos tolda,
Desde um sempre que alcançamos,
Traz uma promessa,
De sermos felizes,
De alcançarmos o amor,
De compartilhar espaços e tempos,
Por que estamos vivos, por que acreditamos!

A virtude é perseverar sempre,
Mesmo que amar e pensar causem a dor,
A mais intensa das dores,
A dor de existir, de sonhar e de acreditar,
A dor da promessa,
A dor cantada pelos românticos,
A dor que não nos deixa esquecer,
Que estamos vivos!



domingo, 12 de março de 2017

Piano




Sinto-me como um piano,
Quando tocado por mãos leves,
Hábeis, dedicadas,
Soo como um instrumento,
Que com sua voz,
Adora a divindade,
Faz com que os anjos,
Em uníssono, reverberem,
Toda minha felicidade!

Mas quando tocado por mãos pesadas,
Ásperas e inábeis,
Desconcerto-me, angustio-me
Estiola-se a beleza dos sons,
Despedaça-me cada acorde,
Que se desfaz num ruído tolo,
Que clama pela delicadeza perdida!

Sou como um piano,
Imóvel, atemporal, expectante,
Por mãos hábeis, ainda não sentidas,
Mas que saibam ao deitarem sobre as teclas,
Acaricia-las, de forma tão terna, tão meiga,
Que possa minh’alma despertar,
Da letargia e do abandono!

Se os acordes dispararem,
No encontro que se promete,
Na velocidade de meu desejo,
Na marcha de meu coração,
Então saberei que nada foi vão,
E que o piano, compõe,
Finalmente,
O hino que enternece,
Que me tira da solidão,

Para dizer do amor que me toca!

sábado, 11 de março de 2017

Labirinto




Percorro as ruas, todos os dias, existindo e refletindo nossa solidão, como se andasse num labirinto, sem um prêmio a ser encontrado!
Vejo horas e minutos passarem, com uma relatividade que não consigo apreender, muitas vezes um tempo que voa, porque tanto o desejo, outras vezes tão lento, como que para me torturar por fazer ou deixar de fazer aquilo que não desejo.
O espaço se transforma numa tortura que o demiurgo Arimã usa como tortura para um corpo tão limitado, mas tão cheio de desejos e paixões. Queria estar em outro lugar, em outro tempo, com outra presença, mas estou preso aqui, e vejo muros, nuvens, fachadas, automóveis, pessoas e animais, que sempre os mesmos e sempre outros, se confundem numa sucessão de labirintos que levam a lugar algum!
Hoje o tempo se arrastou, deformado pela espera, deformado pela ansiedade de um encontro, tornado possível apenas pelo que penso e sinto, como se eu fosse todo o  meu pensamento, materializado na leitura do outro. Existo sim, em outros lugares, em outras formas, em outros tempos, sinto a presença do outro que retém na leitura uma imensa parte de mim!
A felicidade que me tomou ao saber que duas almas podem se encontrar fora do cárcere e do labirinto da existência no concreto, que escapam ao espaço e ao tempo, para se encontrarem nos versos, nas palavras e no pensamento, tomou-me de surpresa, e agora, arrastasse o tempo para um encontro nunca imaginado, percebido ou intuído!
Estamos presos e condenados ao labirinto das cidades de concreto, dos asfaltos, semáforos, placas, da selva de rostos, de vazios, e nem percebemos que o labirinto está dentro de nós mesmos, onde permanecemos incapazes de romper com o conformismo, de poder se lançar no abismo do outro, cujo encontro se produziu apenas por sentir o que sentimos!
O que nos retém neste labirinto? Talvez nossa falta de coragem, mas a dor de pensar é já liberdade. Mas Sócrates disse que a liberdade está no agir, pois então, que a sorte esteja lançada, e que possa precipitar-me ao encontro daquele outro que tocou-me a alma porque decifrou-me nos versos soltos que fiz!

Desesperadora a perspectiva do labirinto que agora percebo, mas que sempre desejei se desfizesse no encontro dos olhos de quem sabe ler-me!

Mensagem




Como um náufrago, minha angústia,
Tem olhos sempre para o horizonte,
Desde onde o mar de sentimentos e ideias,
Traz todos os escolhos da existência.

Apuro olhos, apuro ouvidos,
Buscando sempre uma mensagem,
Daquelas cerradas numa garrafa,
Que tenha por destino, minhas mãos cansadas.

Hoje, especialmente hoje,
Abro os olhos, lanço um olhar,
Tão angustiado, como o de todos os dias,
Dói-me o corpo, dói-me a alma!

Mas então, acontecesse o esperado,
Tão esperado, que esquecido...
Havia uma garrafa, havia uma mensagem,
E inacreditavelmente...

Gravado estava na mensagem o meu nome,
Que como nome, é identidade atribuída por outro,
Mas era um poema, e daí sei, só sei...
Que o chamado era para mim, tivesse eu, qualquer outro nome!

Se soubesses a felicidade de encontrar a garrafa,
Se soubesses todo o sentido com que preencheu o dia,
Mandaria outras milhares delas...
Tão somente, para que eu possa recita-las...

Uma vez, mil vezes,
Cem mil vezes, infinitas vezes,
Apenas para sentir que existo,

Por que há outra alma que sente!

sexta-feira, 10 de março de 2017

Torrente




Escrevo porque meu cérebro está inundado,
De sentimentos, angústias, desesperos,
Minha vontade é sair, gritar, agitar-me...
Não o faço, porque minha insuficiência me paralisa!

Mas se paro, porque temo...
Dói e cada minuto e segundo,
Vivo ainda mais transbordante,
Do que antes, e permaneço no que sinto!

Não consigo caminhar rápido o suficiente,
Não consigo dizer tudo o que passa em mim,
Mas sinto, cheiro, vejo, desespero...
Porque não posso fazer um dique para apaziguar-me!

A velocidade aumenta, as águas embarradas,
De todos os pensamentos, me devastam,
Arrasando cada lugar e não lugar,
Cada fração de meu existir, furibundo!

Destruído pela fúria de um pensar,
Que não cessa, que escapa dos diques,
Dos canais, das barreiras...
Para inundar de non-sense  todo eu!

Estou agora devastado, vazio,
Mesmo assim, transbordo-me...
Com uma violência que me fragmenta!
Atormentado sempre pela fúria do pensar!

As palavras, os sons, as imagens,
Não dão conta do frenesi que me invade,
E tudo fica sem sentido, a vida esvazia-se,
Para dar lugar a um silêncio envergonhado!

A torrente não para, até que tudo fique aniquilado,
Desditado, vazio, dolorido, estéril,
E então, caminho a passos lentos, para o repouso,

Marmóreo, plúmbeo, da solidão de existir!

Insanidade




Não acredito no tempo, nos dias,
Nos caminhos, nas aparências,
Não consigo concatenar existir,
Aqui,
Agora,
Atrapalho-me com o que sinto,
Com o que penso...
Atormenta-me existir,
Assim, tão sem sentido,
Caminhando para lugar algum,
Como miserável endoidecido!
Então percebo a insanidade da vida,
A loucura de viver cada dia,
De pretender viver, tantos dias,
Apenas para comer, dormir, trabalhar,
Correr, deitar desespero e  angústia,
Num mundo do avesso...
Que não tem direito!
De parecer tão lúcido!
Lúcido, como os Napoleões de hospício,
Onde pelo menos, cada um é...
Cada dia um personagem de si mesmo,
Apenas e tão somente um Alexandre Magno,
Um rei, um cavaleiro, um cientista,
Todos eles mais verdadeiros que eu,
Que para fugir da sanidade,
Faço poesia, para então e só então,
Inundar o mundo, tão pequeno,
Tão mesquinho e acanhado,
Com minha insanidade.

Insano existo, louco resisto,
E deixo para outro dia,
Deixar de existir,
Apenas por que ainda mais...
Ensandecido!!!


Toque...




A sensação indizível de te tocar,
De te beijar, lamber, devorar,
O desejo que despertas,
A magia do toque...

Devora-me teu olhar,
Seduz-me teu cheiro, tua cor,
Teu andar, teu sentar,
Teu estar em mim, sobre mim...

São me diluo em ti,
Porque o temo não o permite,
Porque sou insuficiente,
Para não existindo, existir em você!

Estás sempre tão perto, tão distante,
Mas estou em ti, porque me habitas,
Em cada olhar, em cada recordar,
Que me condenam a esvaziar-me em ti!

Mas não conceber o que sinto...
Apenas e tão somente em tocar-te!
Não o sabes, porque quando te deitas,
Perde-me na imensidão do desdém!
Mas eu insisto na dor de te amar...
Porque amor sem dor...
É falsidade e desdouro!

Amor é sacrifício, holocausto, toque...

Penso logo...




Penso, logo...
desisto!
Penso, logo...
resisto!
Penso, logo...
Nem desisto
Nem resisto!
Mas isso dói!


Cri... Cri...




Cri...
Cri...
Cri...
Um grilo roeu...

Todo meu pensamento!

quarta-feira, 1 de março de 2017

Poesia



Por que escrever poesia?
Quando não se pode ser lido?
De maneira conformista...
De maneira inteligível...
De maneira burguesa?

Disse Octávio Paz,
Insistir na poesia é ser contra a maré,
É não tornar fácil o conviver com o burguês,
É ser incompreendido pelo socialista!
É não ter lugar, nem tempo, deslocado de si...

É remar sempre contra o óbvio,
É crer na possibilidade de outro,
Em nós e em cada um...
Acreditar no intemporal,
Dialogar com alguém e ninguém!

É chocar-se com o esquecimento,
Não num futuro distante,
Mas aqui e agora!
É descobrir que escrever é
Antes de tudo um desnudar-se...

Um entregar-se às Ienas,
Aos Tubarões, à violência,
Inaudita, silenciosa,
É viver um desdém,
É ser censurado e incompreendido.

Então por que a poesia?
Para dar voz à dor,
Para dar corpo à atrocidade do viver,
Para dar corpo ao sofrimento...

Enfim, para estar vivo!