Espaço de sentir e pensar de Laércio Lopes de Araujo

domingo, 25 de fevereiro de 2018

Caminho





Caminho sem destino, pensando agora,
Sigo passos já tantas vezes traçados,
Mas todos os caminhos são diferentes,
Porque nunca os mesmos passantes,
Nunca o mesmo tempo de estar,
Nunca os mesmos olhos a contemplar!

Todos os passos levam inexoravelmente,
A uma nova história, sempre recontada,
De maneiras tão diferentes, quanto pensares,
Cheia de alegrias e dores, todas diferentes,
Todas sentidas como novas e primeiras,
Mas sempre e tantas vezes repetidas!

Caminho, e não encontro motivo para continuar,
Mas então há uma curva, uma flor, um pássaro,
Contemplo a liberdade de mudança de rumo,
Ou a de permanecer neste perturbado passo!
Não excluo a possibilidade de continuar os passos,
Cheios de abandonos, de esperanças, dores, perdas,
Acelero o passo, no ritmo de pensamentos loucos!

Caminhos, que se encontram e desencontram,
Que fazem muitos acreditarem na permanência,
De tudo quanto nos cerca e há de perder-se,
Tão inexorável e definitivamente, sempre...
E o desespero é perceber a precariedade do agora!

E continuo, acelerando pelo caminho,
Conhecido e tão previsivelmente desconhecido,
E caminhando, sigo o destino que me é dado,
O encontro com o precipício amargo,
De mim, do final inescapável, do caminho!

Como posso decidir dos passos que dou,
Como posso decidir dos caminhos que sigo,
Como posso decidir das vontades que me determinam,
Quanto posso decidir do último passo, abismo!
Que liberdade assustadora, eu dou os passos!

Dor





Penso todo tempo no que devo cuidar,
Do sentimento do outro, do que quer,
Penso no que posso representar,
Para então ter o direito de ser, existir!

Mas qual a esperança de que o outro,
Enxergue-me em meu sofrimento louco,
Em minha confusão que percebo, agora,
Em meu desespero de sentir e não parar de doer!

Vejo a dor do outro, sei como dar-lhe amparo,
Entendo sua angústia, mergulho nela, desespero-me,
Atribuo-me uma responsabilidade que não tenho,
Tenho uma responsabilidade que carrega outra,
A insofismável certeza de que estou só, assim!

E quanto mais penso, mais dor sinto,
E não posso corrigir-me, porque existente,
Porque se assim sinto, devo compreender,
A necessidade de sentir do outro em mim!

Mas, quem haverá de sentir comigo? Dor!

Ar





Falta-me ar, não consigo respirar,
Porque não estou aqui, mas alhures.
Falta-me ar, porque não posso sair,
Das cadeias invisíveis que teci em mim!

Falta-me desesperadamente o ar,
Que me permita pensar o existir,
Para além da necessidade de comer,
Para além da necessidade de dormir,
Para além da necessidade de beber,
Para além da necessidade de sobreviver!

Falta-me ar para criar no mundo,
A imagem e semelhança do que sinto,
Para fazer-me demiurgo, do que escrevo,
Nas praias ao raiar do sol, apenas eu,
Passos incertos, gravetos, palavras lavadas!

Falta-me ar para enchendo pulmões gritar,
Meus filhos, cada nome, em cada canto,
Todos os que habitam meu coração, todos,
Que explodem em verdades ditas e não ditas!

Falta-me ar, talvez coragem, talvez força,
Falta-me a esperteza de sair descalço, despido,
Andando mundo, em toda a extensão pensada,
Para ser apenas corpo, mente, palavras, soltas!
Falta-me ar, sufoco, e morro aos poucos,
Tão aos poucos e lentamente, que dilacero-me,
Decomponho-me, e continuo parecendo inteiro,
Mas não sou mais do que restos do que poderia ser!
Não sou mais do que apenas a falta de ar que me aflige!

Vivente




Respira, respira fundo enquanto podes,
Enche o peito, guarda a sensação de poder,
Ter o ar que te dá vida, inflando pulmões!
Respira, respira rápido, sofregamente,
Garante que este ar te dê ânimo, que permita,
Que se atire à vida com vontade, com desejo,
Arfa, geme, suspira, mas sente a dor premente!

Se existes no instante em que respira,
Percebes que há uma fragilidade latente,
Na própria ideia de insistir presente,
Numa história que se alheia sempre,
Daquilo que pode ser tão só permanente,
Na contingência de um ser que será ausente!

Vivente, condição tão precária do existente,
Que busca a perpetuação insistentemente,
Na permanência, nos corações e nas mentes
Que sejam capazes de reter, de forma prudente,
Um pouco da dor e do sentimento pungente,
Que carrego e derramo nos versos dementes!

Vivente, que seja por tempo suficiente,
Para deixar uma marca, contundente,

Na forma de amar, assim, tão intensamente.

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Salto





Tenho tentado, tanto e tão intensamente,
Um salto para dentro de mim, um salto estupendo,
Um mergulho, indescritível, absolutamente destemido,
Um salto sem a menor possibilidade de sobrevida!

Tenho tentado, tenho buscado ansiosamente,
O local certo, definitivo, absolutamente inconfundível,
Onde a profundidade seja dilacerantemente incerta,
Onde o fundo seja imprevisível, indefinível...

Tenho tentado e tenho insistido, em abismar-me,
Tão profundamente quanto inconcebivelmente,
E de forma tão estapafúrdia e eloquente, assim...
Tão absoluta e resolutamente que ,e apenas que...

Ao ser percebido como salto de sentido, abstraído,
Produza aniquilamento, desentorpecimento súbito,
Com fragmentação explosiva, lacerante, estrepitosa,
Que produza nada como resto, nada como sentido!

Tenho tentado tão estupidamente a busca do salto,
De sentido e descoberta das palavras para expressar,
Não outros sentidos, outros significados, mas que surja,

Assim, dum salto, um nada que sinto tão avassalador!