Espaço de sentir e pensar de Laércio Lopes de Araujo

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Toda Poesia de Augusto dos Anjos




Gostaria de dizer parafraseando o grande Ferreira Gullar que com Augusto dos Anjos conseguimos adentrar, penetrar aquele terreno em que a poesia se torna um profundo e verdadeiro compromisso com a existência humana, tão pequena, tão excepcional. Seu discurso niilista compreendido sob o prisma do compromisso com nossa existência, inexplicável, inaudita, só se torna poético nesta relação absolutamente inescapável do que é nada e do que é tudo no pensamento de cada homem. Isto o faz um dos elementos mais vivos, mais singulares, mais espetaculares mesmo da Literatura Brasileira. Impossível não arrumar um pequeno tempo para ler a poesia de Augusto dos Anjos, até porque uma vida que não tenha um tempo para viver poesia, não merece ser vivida!

Chloé




A espera pelo momento,
Uma espera que não tinha uma data,
Uma espera que não fazia sentido
A não ser na realização do sonho!

Por que idealizamos a espera,
Se ela é fruto de nossas incertezas,
Mas o tempo não se faz com...
Esperar...
Esquecer...
Temer...
Duvidar...

O que realiza... é esperar
Mas esperar o fruto, o prêmio,
De um amor vivido,
Do amor sentido,
Que produz um prêmio,
Prêmio único,
Troféu de meu amor por ele,
Do amor dele por mim,
Resultado único, irrepetível.

Mas tive em mim, por nove meses,
Uma promessa, uma esperança,
Que se realiza a cada momento,
A cada bater do coração.

A espera que tornou-se esperança,
A espera que realizou-se esperança.
Uma vida que mudou minha vida,
Porque traz nela, todo o prazer,
Toda a verdade de um único momento,
De um único júbilo.

Esperança que explodiu em mil esperanças,
Que explode a cada momento em mil expectativas,
E que só pude dar, um pequeno nome,
O maior nome, de um pequeno mundo,
De um novo, deslumbrante e pequeno Universo,
Dei um nome, eu dei um nome,
Com o nome, dei a vida,
Com a vida, criei novo Universo,
Um Universo inteiro, que estava em mim,
Um Universo que chamei...

Chloé!



Sonnet à la Louange d´Olive




Sonnet à la Louange d´Olive

“D´amour, de grace, et de haulte valeur
Les feux divins estoient cenctz et les cieulx
S´estoient vestuz d´um manteau precieux
A raiz ardens de deverse couleur:

Tout estoit plein de beauté, de bonheur,
La mer tranquile, et le vent gracieulx,
Quand celle la nasquit em ces bas lieux
Qui a pillé du monde tout l´honneur.

Ell´prist son teint des beaux lys blanchissans,
Son chef de l´or, ces deux lèvres des rozes,
Et du soleil sés yeux resplandissans;

Le ciel usant de liberalité,
Mist em l´esprit sés semences encloses,
Son nom dês Dieux prist l´immorallité.



Soneto de Louvor a Olívia

De amor, de graça, e de um alto valor
As divinas fornalhas se acendiam,
E os céus com um manto raro recobriam
Ardentes raios de irisada cor.

E tudo era beleza e almo calor;
O mar tranquilo e o vento pareciam
Beijar a que nascia, e lhe traziam
Do mundo toda a glória e resplendor.

A clara tez ao lírio ela tomou,
A boca à rosa, ao ouro seus cabelos;
Para seus olhos, luz ao sol roubou.

O céu, com grande liberalidade,
A alma apurou-lhe com gentis desvelos:
Deu-lhe dos Deuses a imortalidade.


Poema de Joachim du Bellay
(1522-1560)
Tradução de José Jeronymo Rivera

Uma palavra feia: Eugenia.




No dia de hoje Luiz Felipe Pondé na FOLHA nos brinda com um texto a que dá o título “A palavra feia”. Ao lermos o seu texto recuperamos o motivo, a palavra Eugenia.
Eugenia é palavra adaptada do grego no final do século XIX pelo cientista inglês Francis Galton para descrever um método científico que se aplica na busca de uma melhora da herança genética da humanidade. Tal busca é ilustrada de forma brilhante no romance “O Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley.
A palavra ainda se aplica ao movimento social que buscou popularizar os princípios e práticas da ciência no meio social.
Como consequência e reflexo do pensamento racionalista dos séculos XVIII e XIX, desfrutou de amplo apoio nos círculos liberais e conservadores de muitos países, notadamente da Suécia e Estados Unidos, até que foi apropriada pelo regime nacional-socialista alemão, que levou ao paroxismo a aplicação de seus princípios, e que levou ao surgimento de uma eugenia racista, cujos crimes ainda hoje lembramos.
Curiosamente, após a Segunda Guerra Mundial e as nefastas consequências da aplicação irrefletida e criminosa de seus conceitos, hoje leis eugênicas continuam vigentes apenas em espaços restritos da China comunista.
Inicialmente a preocupação da Eugenia era com os custos crescentemente elevados para a sociedade do custeio de tratamento de doentes mentais, retardos e degenerações morais. Tal levou a uma política de esterilização em massa destes portadores de doenças e comportamentos indesejáveis, que só nos Estados Unidos antes dos anos 40 chegou ao número de 60 mil indivíduos compulsoriamente esterilizados. A Alemanha nacional-socialista criou tribunais especiais de saúde e eugenia que ordenaram a esterilização de aproximadamente 500 mil pessoas portadoras, ou assim consideradas, de deformidades físicas, retardos mentais, esquizofrenia, epilepsia e outras doenças.
Ora, ao tocar na palavra feia, Pondé esclarece em seu texto que a “Eugenia quer dizer criar jovens belos, bons e perfeitos. Esta controvérsia chegou até nós e ficou conhecida com o título do livro causador dela, "Regras para o Parque Humano", publicado entre nós pela editora Estação Liberdade. "Parque Humano" aqui significa parque num sentido quase zoológico”.
Esclarece o colunista que esta peça filosófica de Sloterdijk atribuía o projeto eugênico ocidental a Platão principalmente n´"A República", e que se tal projeto não deu certo nas engenharias político-sociais utópicas modernas e também teve insucesso na educação formal, estaria dando certo na biotecnologia e nas tecnologias de otimização da saúde.
Ocorre que o desenvolvimento da biotecnologia e das tecnologias de otimização da saúde não têm como escopo primário melhorar a herança genética. Procuram antes disso dar ao indivíduo uma escolha, uma possibilidade de evitar ou corrigir algo que a natureza, exatamente por não ser concebida por ninguém,provoca por ser absolutamente cega em seus desígnios.
Não concordo absolutamente que “academias de ginástica, consultoras em nutrição, espiritualidades narcísicas ao portador (como a Nova Era e sua salada de budismo, decoração de interiores e física quântica), cirurgias e tratamentos estéticos, checkups anuais, ambulatórios de qualidade de vida, pré-natal genético e interrupção aconselhada da gravidez de fetos indesejáveis sejam eugenia”.
Principalmente no que tange ao caso da gravidez indesejável, a escolha é sempre dolorosa, nunca está relacionada em princípio a uma melhora da herança genética. Confundir a perturbadora e sofrida interrupção voluntária da gravidez com eugenia é um grave erro epistemológico. Mesmo no caso de fetos indesejáveis, como no caso da interrupção de um feto com Síndrome de Down, a escolha dos pais se dá dentro de todo um contexto de intenso sofrimento, e mais que tudo, do reconhecimento da incapacidade de poder dar conta de uma realidade que lhes traria um desgaste emocional e afetivo do qual não podem dar conta, ou não querem, mas está muito longe de ser eugenia.
Outro aspecto relevante com a palavra feia e seu contexto é que ela estava ligada a ações involuntárias, onde o Estado determinava uma política de melhora da herança genética, em perigosos precedentes de extermínio e de escolha de seleção de pessoas. Isto é inaceitável, dizer que escolhas voluntárias, absolutamente determinadas pelas necessidades afetivas, econômicas e sociais do indivíduo possam ter qualquer semelhança com imposições legais de um Estado pantagruélico, não faz sentido algum. A escolha não pode ser determinação legal.
Não creio que haja um impulso eugênico, o que há é um desenvolvimento tecnológico que ultrapassou em muito nossas necessidades e que nos permite avaliar a vida sob pontos de vista nunca imaginados. Permite-nos avaliar a propriedade de quanto sofrimento é possível suportar, sem que o preço por isso seja demasiado para a fragilidade de nossa humanidade.
Não, Eugenia é uma prática intolerável, porque admitida como forma de avaliação da condição humana, alheia ao humano nela inserido. Dizer que uma vida é desnecessária porque não se realizará socialmente é Eugenia em sua forma mais perversa.
Permitir que uma mãe interrompa a gravidez de um feto que não tem a menor possibilidade de vida humana, de viabilidade, é reconhecer que o sofrimento desta mulher, sua tristeza, sua exposição ao desamor e ao abandono, são muito cruéis, são indecorosos, e a sociedade não pode se dar ao luxo de obrigar, por quaisquer que sejam os valores morais e religiosos esgrimidos, impor a dor lacerante a quem, em última análise é responsável por toda a vida humana neste planeta.
A escolha da mulher quanto à sua gravidez é o mínimo que os homens podem conceder para agradecer cada mulher que ao conceber, dão sua vida, seu corpo, sua existência para perpetuar a espécie, para fazer deste mundo algo melhor. Tal se dá ainda e sempre quando a mulher por amor oferece seu seio para que uma nova vida se realize!

Pena como expiação da Culpa




Na coluna Tendência e Debates da FOLHA de hoje 30 de abril, encontramos um questionamento sobre a lei de janeiro de 2012 que reconhece a humanidade dos detentos da FEBEM, hoje Fundação Casa, e que tem provocado intensas polêmicas no mundo social e jurídico.
Com todo o respeito à dor do Dr. Ari Friedenbach que perdeu sua filha num trágico evento criminoso de 2003, que merece toda a nossa solidariedade, a crítica à lei recentemente editada não é procedente! Em primeiro lugar é curioso notar que no texto do debatedor, como na maioria dos textos editados na Internet sobre a referida lei, seu número é grafado invariavelmente errado. Coisas do cópia e cola da internet.
A Lei 12.594 de janeiro de 2012 no Capítulo VI que trata “Das Visitas a Adolescentes em Cumprimento de Medida de Internação” no seu artigo 68, assim se expressa:

Art. 68.  É assegurado ao adolescente casado ou que viva, comprovadamente, em união estável o direito à visita íntima. 
Parágrafo único.  O visitante será identificado e registrado pela direção do programa de atendimento, que emitirá documento de identificação, pessoal e intransferível, específico para a realização da visita íntima. 

Ora, quando Cesare Beccaria começou a sua cruzada contra a violência nas penas aplicadas àqueles condenados criminalmente e considerou que a privação de liberdade não só seria uma forma menos desumana de penitência, como mais adequada ao objetivo de recuperação do criminoso, ele não vislumbrou a possibilidade de estar propondo as casas de horrores e de degradação moral hoje existentes.
Confunde, em sua dor, o nosso debatedor o fato de que hoje o adolescente já pode votar com 16 anos e ainda não é maior e responsável. É absolutamente incompreensível que se queira impedir um adolescente de ter visita íntima porque este não é maior! O que tem a maioridade civil e penal com o amadurecimento sexual da espécie humana?
O artigo 68 da Lei 12.594/2012 garante a visita íntima, mas não entendo que faça parte do processo de ressocialização. Faz parte do direito humano fundamental de ter direito ao contato com outro humano, de trocar afeto, de querer ser amado, independente do que tenha feito independente do que a sociedade o prive.
Privar o apenado da liberdade já não basta? Será que em nossa necessidade de punir, voltaremos a imaginar mecanismos que estigmatizem, que tornem a vida do criminoso ainda mais abjeta e indesejável, como forma de castigá-lo?
O que vamos esperar do sujeito que tenha cumprido uma pena sem direito a contatos telefônicos, sem direito a liberdade em dias festivos, sem direito a amar quem o deseje? Vamos esperar que este sujeito tenha saído mais sábio da prisão, mais conforme aos desejos de ressocialização de uma sociedade que o quer humilhar, que o quer submeter, que o quer numa vida abjeta para purgar seus pecados?
Não consigo compreender o que uma sociedade ganha impondo penas cada vez mais duras, mais restritivas, mais punitivas. Só o fato de ter que se submeter a uma identificação e a um registro para poder participar do encontro íntimo já é uma situação vexatória ao parceiro que deseja encontrar alguém que ama! Por que ama aquele sujeito? Ora, que direito temos nós de fazer esta pergunta?
Por que julgamos este direito impensável? Por que nós somos cidadãos de bem que nunca estaríamos na situação apresentada? Não, a violência está em nosso raciocínio, está em querermos esterilizar a vida de quem quer que seja vítima de nosso sistema prisional.
Por óbvio não há que perguntar a alguém se concorda que sua filha ou filho vá à Fundação Casa para um encontro íntimo, porque isso seria ainda mais violência. Conceber que em cada encontro haverá uma concepção e por tal novos bebês, é sem dúvidas levar ao paroxismo o nosso desejo de punir, de esterilizar o marginal, de destruir toda sua existência como ser humano, é reconhecer nosso desejo de desumanizar aquele que pelas mais diversas razões, tornou-se objeto de nossa ira.
Ora, muito da discussão passa por considerar a lei que o adolescente infrator tem necessidades de amar, de encontrar sua companheira ou companheiro, mas que isso não o torna penalmente responsável por seus atos. Aqui há também outro equívoco. Ninguém precisa ter maioridade para se tornar sexualmente maduro, aliás, as duas coisas nem sempre, ou quase nunca andam juntas, e seria uma coisa realmente perversa considerar que todo aquele que passar a desejar sexualmente seja considerado apto e responsável para assumir seus atos!
Não é possível confundir tais coisas, não é desejável que se confundam tais coisas, e é uma incoerência, porque recentemente a sociedade se ergueu revoltada quando acertadamente o STJ inocentou de estupro um sujeito, porque as menores de 14 anos já exerciam a prostituição.
Uma sociedade que permite a prostituição de menores de 14 anos, e que julga dever ser elas protegidas pela lei a ponto de incriminar um homem de estupro, quando na realidade ele no máximo é responsável por corrupção de menores e lenocínio, com sua consciência pesada busca esconder fatos que são absolutamente naturais da vida e assim, por que agora quer reconhecer nos menores com prática sexual maturidade e responsabilidade penal?
Acredito que a opinião esposada na FOLHA está muito mais relacionada com a dor infinita de um pai, dor imerecida e por mais que pensada, incompreensível, e por isso em completo descompasso com a realidade e a necessidade de uma sociedade sitiada pela violência e pelo medo. Termina seu texto de forma esclarecedora:

O que propomos é justamente que o menor que se comporta como adulto para manter uma relação estável e também para cometer crimes gravíssimos seja tratado como efetivamente é. Um adultos (sic) responsável pelos seus atos. Seja para o bem ou para o mal!

Ora, ser responsável pelos seus atos numa sociedade justa e solidária, numa sociedade coerente e honesta com seus valores, nunca será para o mal, a não ser que tenhamos como objeto perseguir a vingança e o castigo, e não a reparação e a busca incansável da recuperação daquele que errou!

Uma reflexão necessária III




Uma introdução à crítica da dor como forma de justificar ainda mais violência contra aquele que nos causa dor!


Donatien-Alphonse François de Sade passou boa parte de sua vida preso, boa parte de sua vida encarcerado sem julgamento, sem direito à defesa, sem direito à expressão livre de suas ideias, no entanto, por mais desconfortáveis e incômodos que sejam seus textos são ricos em demonstrar a má-fé das boas consciências, e no dia de hoje, vamos comentar um texto em que a crítica de Sade é absolutamente pertinente. Viva o divino Marquês:

“A verdadeira sabedoria não consiste em reprimir seus vícios, pois os vícios constituem quase que a única felicidade da nossa vida, querer reprimi-los seria tornar-se o próprio carrasco!”
Donatien-Alphonse François de Sade (1740-1814)

Uma reflexão absolutamente necessária II ...




Um pensamento absolutamente verdadeiro


Carlos Drummond de Andrade, em uma de suas reflexões mais importantes, escreve como para nos fazer pensar criticamente nossa existência:

“E cada instante é diferente, e cada homem é diferente, e somos todos iguais. No mesmo ventre o escuro inicial, na mesma terra o silêncio global, mas não seja logo!”
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

Uma reflexão necessária...



Uma reflexão necessária:


“A vida sem reflexão não merece ser vivida”
Sócrates (469-399)

Origem do Mundo




Fonte do prazer...
Verdadeiro lugar onde há amor,
Onde encontramos paz,
Onde se diluem as diferenças,
Onde se faz justiça,
Onde há liberdade,

Origem do mundo,
Do mundo que pensamos,
Do mundo que vivemos,
Do mundo que desejamos.

Tudo está onde deve estar,
Quando estamos na origem do mundo,
Como pequenos e assustados meninos.
Como aprendizes,
Como desejantes,
Como pedintes.

É na origem do mundo que...
Está toda a beleza...
Todo o poder...
Toda a verdade...
Toda a força...
Toda a vontade...
Todo o amor!

É na origem do mundo...
Que o senhor se torna escravo,
Que timidamente o poderoso,
Suplica o prazer do frágil.
É na origem do mundo...
Que o mundo passa a fazer sentido,
Onde todo o sentido é dádiva...
Onde todo o sentido é poder...
Lânguido...
Simulado...
Delicado...
Mas absolutamente, poderoso!

Origem do mundo...
De todos os bens, de todo o bem!
O mal... sua falta!
A sabedoria, viver eternamente,
Contemplando a beleza,
Da Origem do Mundo!
E basta!

Laércio Lopes de Araujo
quadro "A origem do Mundo" de Gustav Courbet.

domingo, 29 de abril de 2012

O Monstro de Orelhas D´Asno e Monteiro Lobato



Todos nós temos acompanhado a violência de falsos intelectuais e de servidores despreparados contra os textos do grande escritor Monteiro Lobato, uma das expressões mais legítimas do pensamento brasileiro, que era insuspeitadamente de esquerda. Vale a pena ler um pequeno trecho de Urupês, no conto "Os faroleiros", quando se exprime sobre a ideia de toda gente, ou seja, à comum opinião de todos:

"- A ideia de toda gente, ora essa!
- Quer dizer, uma ideia falsa. “Toda gente” é um monstro com orelhas d´asno e miolos de macaco, incapaz duma ideia sensata sobre o que quer que seja. Tens na cabeça, respeito a farol, uma ideia de rua recebida do vulgo e nunca recunhada na matriz das impressões pessoais. Erro."

Temos de acautelar-nos sempre com a ideia de toda gente, a maioria esmagadora, a unanimidade é sempre burra e fascista. Não podemos nos conformar com o erro, não podemos nos conformar com a resposta de que a maioria pensa assim, de que assim tem que ser porque o povo deseja. O povo deseja aquilo que lhe satisfaz a sede, a fome e a segurança, é pouco para desejar tudo aquilo a que tem direito, depois de necessariamente ter satisfeito os deveres que lhe garantem aqueles.
Pensar dói, mas não pode ser afastada a necessidade de pensar! Livremo-nos do monstro de orelhas d´asno!

Fome


Fome




Tenho fome de viver,
Tenho fome do tempo,
Tenho fome de ler,
Sim, tenho fome!

A fome que me devora,
Faz-me doer o pensamento,
Não me abandona,
Não me esquece.

Tenho fome de você,
Tenho fome de amar.
Não quero esquecer,
Não devo deixar de lembrar.




A fome é algo que devora,
As entranhas...
Os pensamentos...
Nossa paz...

Mas a fome nos faz livres,
Porque o saciado não vive
Não corre os caminhos
Não conquista o espaço!

Sim tenho fome...
Imensa fome...
De viver...
De amar...
De exercer minha liberdade!
Tenho fome...
Penso minha fome...
Dói-me pensar!...Fome!

Hombre y Mujer


Em homenagem à mulher, àquela mulher, que se encanta com Ernesto Sábato:



Hombre y Mujer

Habrá siempre un hombre tal que, aunque su casa se derrumbe, estará preocupado por el Universo. Habrá siempre una mujer tal que, aunque el Universo se derrumbe, estará preocupada por su casa.



O que é belo, na existência dos homens e mulheres, é que, sempre serão diferentes, como dizia Koestler, uma e mesma tarefa pode ser feita com tanta eficácia e eficiência por um homem e uma mulher, porém, ao estar concluída, ao vislumbrarmos o resultado, restará claro, que uma delas foi feita por um homem, a outra por uma mulher, na medida em que a marca distintiva de nossa existência assina, de maneira indelével e inafastável tudo o que fazemos, tudo o que somos. Mesmo no Amor!

Liberdade





Liberdade


Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,

Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"