Espaço de sentir e pensar de Laércio Lopes de Araujo

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Outro corpo




Outro corpo que não o meu,
Se espalha por toda memória,
Inunda meu pensamento de desejos,
Expressa, sozinho, toda completude!

Outro corpo que não o meu,
Exala todos os perfumes, os cheiros,
As cores, as formas, os volumes,
Que agonizo por ter em gozo!

Outro corpo que não o meu,
Se repete em imagens e lembranças.
Se perpetua na ânsia de ser e estar,
Torna-se modelo de beleza e perfeição.

Outro corpo que não o meu,
Seduz-me todo e inteiramente,
Escraviza-me, tão despudoradamente,
Que vivo a esperança escandalosa do encontro!

Outro corpo que não o meu,
Faz-me nós, todo nós,
E de tantos nós, enovelado,
Desejo perder-me no ato de amor!

Desespero




Desespero é não poder estar onde desejo estar,
É não fazer o que gostaria de estar a fazer,
É existir apesar do desejo de desaparecer!

Desespero é o abismo entre o que sou,
Aquilo que desejo ser, que penso ser,
É existir sem sentido algum, apesar de todo esforço!

Desespero é o sentimento de abandono,
Que inunda tudo que transborda de mim,
Sem que eu consiga conter a avalanche!

Desespero é a fragmentação intensa,
De cada parte inexplicável de mim,
É a falta de resposta das perguntas que não fiz!

Desespero é sentir-se tão e intensamente só,
Apesar de todas as existências que habitam em mim,
E que só fazem lamentar a incompletude do eu!

Desespero é estar aqui, e não aí,
É não ter a liberdade, negada por mim,
De ser intensa e plenamente eu!

Desespero é não entender a lógica,
Que governa este mundo ilógico,
Que me faz descrer de mim!

Desespero, enfim, é descobrir,
Que tudo faz sentido, mesmo que absurdo,
Sem poder fazer crer que compreendo, o incompreensível.

Desespero, tão somente, de existir!

Olhar



Os olhos, portões da alma,
Que tragam tudo que se lhes apresenta,
Perscrutando o mundo em busca da consciência,
Trazem para dentro tudo que há cá fora!

Perturba-me a imobilidade, anseio pelo movimento,
Porque este nega minha dor, minha ausência.
Os olhos avançam ávidos sobre o mundo,
E tomam tudo que se faz externo de mim!

Tenho cá dentro, olhos tão pequenos,
Que enxergam estrelas maiores que o sol,
Que captam a luz que vem do passado imemorial,
Que guardam lembranças de tempos já mortos.

Olhar que anseia o encontro de outro olhar!
Olhar que te quer, que obsessiona meu pensar!
Olhar tão triste, na ausência deste outro que se furta!
Olhar que melancólico vive de promessas!