Espaço de sentir e pensar de Laércio Lopes de Araujo

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Liberal






Vemos pela internet manifestações liberais, em defesa do liberalismo, em nome do pensamento livre, e de repente, não mais que de súbito, uma denúncia contra a decisão do Supremo, considerando que a interrupção da gravidez até o 3º mês não configuraria o tipo do crime de aborto.
Uma pergunta tola: “Se o feto humano não é um ser humano, então o que ele é?”
Sim, a pergunta é tola, porque durante a gestação o nascituro passa pelas fases de zigoto, embrião e feto. Obviamente, dependendo do ponto de vista filosófico, teológico e ontológico que se parta, a resposta a uma pergunta tendenciosa, terá diferentes respostas.
No entanto, antes de saber o que é um feto, temos de saber o que é um ser humano! A vida humana não tem dignidade distinta da vida de qualquer outra forma existente na Terra, em princípio, e no Universo em potencial.
A vida é um patrimônio comum de todos os vivos, sejam eles primatas humanos, não humanos, mamíferos, répteis, insetos e o que for. A vida tem a mesma dignidade, a mesma premência e se caracteriza pela mesma contingência em todos os seres vivos.
Alguns liberais, em economia, são extremamente conservadores e por vezes reacionários do ponto de vista político, social e da moral. Porém, ser liberal exige uma radicalidade de pensamento, que é ser liberal em todos os aspectos pertinentes ao humano.
Quando se fala em descriminalização do aborto, não se fala em aprovação, em incentivo, em estímulo ou o que seria muito pior legalização. Não se trata de legalizar uma conduta que está carregada de imensa dor, de desespero, de angústia, e está sim, quer queiram ou não queiram todos os opositores, na esfera íntima da consciência, dos valores e da moral de cada sujeito.
Defender a descriminalização, não é defender o aborto, mas a liberdade de escolher ser responsável por uma vida, pela construção de um ser humano, de se achar capaz de construir um espaço minimamente saudável de vida, de afeto e de construção de valores!
Quando da Constituinte de 1988, deputados evangélicos propuseram colocar na Constituição que todas as mulheres tinham o direito de engravidar. Bom, afastada a bizarrice da proposta, há que se observar que isto é a positivação do óbvio, seria como garantir a todo o brasileiro o direito de respirar. Mas e se uma mulher não quer engravidar, se alguém não mais quiser respirar. Tanto é livre para isso ou aquilo.
Sempre somos, nós os defensores da descriminalização, confundidos com favoráveis ao aborto, com imorais, com irreligiosos. Não o somos! Somos a favor da liberdade e do fim do preconceito, da dor, do sofrimento, da culpa. Somos a favor da responsabilidade da maternidade e da paternidade.
Mas, muitos nos acusam de que o concepto não pediu para ser concebido, que ninguém pode interromper uma vida para a qual contribuiu objetivamente para o surgimento. Ora, o argumento é muito fraco. Quantas vezes agimos buscando um resultado, e alcançamos outro, quantas vezes voltamos atrás, quantas vezes somos impulsivos e não podemos arcar com as consequências de nossos atos e nos resta apenas recuar?
Somos humanos, erramos! Ao errar, nos tornamos mais próximos de Deus, por que ele é misericórdia, é perdão infinito, é o que nos resgata de uma vida sem sentido, sem objetivo determinado, mas, que encontra sua razão de ser no perdão!
A mutação constitucional produzida pelo recente decisum da Suprema Corte, traz luz à uma discussão obtusa, faz com que a sociedade evolua, para melhor, porque minhas convicções não podem prevalecer sobre as convicções de outras pessoas, a maternidade e a paternidade devem ser responsáveis, o nascimento deve ser um prêmio, um troféu do amor!
Ser liberal é ser consequente com a irredutível liberdade de cada ser humano em todas as esferas que a ele são pertinentes. Ser liberal é acreditar que a consciência é o único tribunal, a última instância de nosso agir, e a sociedade deve guardar uma distância respeitosa, um limite taxativo, que a separe da minha esfera de decisão privada.
Ser liberal é acreditar na liberdade de cada um decidir pelo certo e pelo errado, sempre arcando com as consequências e a responsabilidade de suas escolhas!