João
Pereira Coutinho cientista político português que escreve às terças-feiras na
Ilustrada da FOLHA, hoje trouxe um texto cujo título “Uma defesa da hipocrisia”
intrigou-me profundamente. Pode-se defender a hipocrisia?
Começa
por escrever que pessoas progressistas aprovam a liberalização das drogas
porque políticas repressivas falharam, e a liberalização diminuiria a tráfico.
Mais, a liberdade individual deveria em princípio se impor na medida em que não
posso obrigar terceiros às minhas convicções.
Daí
começa a sua crítica, e sua defesa, que consideramos inadequada da hipocrisia.
Diz-se conservador de costumes no que tange a matérias de vida ou morte, e
defende que a liberdade individual acaba quando está em causa uma vida humana.
Quase perfeito.
A
confusão começa quando a defesa da vida humana tem como pressuposto crenças
religiosas e não fatos. Ele exclui da possibilidade de deixar à liberdade do
indivíduo o aborto, a eutanásia, o suicídio assistido e a pena de morte.
Bom,
aparentemente são coisas de mesma natureza, aparentemente tratam da vida humana
a ser suprimida, mas há um erro fundamental aí, e infelizmente o cientista político
comete uma falsidade. As quatro coisas não são a mesma coisa, e mais que isso,
são de naturezas completamente diferentes.
O
aborto sempre será intolerável, porque é a morte do feto contra a vontade da
mãe por um ato violento. A interrupção voluntária da gravidez ao contrário, não
é um ato de violência contra a mãe, mas a legítima forma de salvar a sanidade
física e mental desta.
A
eutanásia tem que ser discutida quanto aos métodos hoje utilizados para a
manutenção artificial da vida. Ela hoje é discutida quanto a comportamentos
passivos e ativos na preservação artificial da vida, bem como quanto aos meios
ordinários e extraordinários que são utilizados, muitas vezes os meios
extraordinários se concretizando como verdadeira distanásia, como verdadeira
ofensa ao direito de morrer com dignidade.
O
suicídio assistido é antes de tudo um diploma de fracasso da sociedade que cria
um mundo hostil para a realização plena da existência humana, é uma derrota da
humanidade frente ao sofrimento, é a incapacidade declarada de nós, homens e
mulheres, de nos solidarizarmos com o mal estar da existência do outro, e de
termos criado uma sociedade avara, opulenta e extremamente exigente quanto ao
consumo.
Por
fim a pena de morte que nada mais é que uma pena aplicada pelo Estado, em
punição a crimes previstos no Código Penal. Aqui sim, há uma infeliz comparação
das outras formas de supressão da vida, com esta que é antes de tudo, um
reconhecimento pelo Estado de sua incapacidade de buscar a restauração do status quo ante, de buscar a emenda do
agressor e de mostrar que o perdão e a reparação serão sempre possíveis.
Ele
acaba por defender igualmente a prostituição. Mas a prostituição não necessita
defesa, ela é uma condição inerente à construção de nossas identidades e de
nossa existência gregária com valores estúpidos.
Concordo
com a piada por ele expendida de que a única diferença entre sexo pago e sexo
grátis é que sexo grátis, normalmente, fica mais caro.
No
que concordo com ele é a proposta horrorosa e indefensável da ministra Najat
Vallaud-Belkacem, que quer acabar com a prostituição no país, como se este
fosse um grande problema para as mulheres. Ora, a feminista como ministra,
considera que é preciso um plano de ação contra o negócio, desmantelando redes
de tráfico e proxenetismo. Os clientes, pretende ela, também serão duramente
penalizados.
Por
óbvio que a pretensão do Estado de abolir a prostituição é uma violência contra
a humanidade, é antes de tudo uma estupidez, e desconhece as razões do
surgimento do fenômeno social. No Brasil o preconceito, o falso moralismo tem
condenado sem nenhum mérito, muitos dos transgêneros para a prostituição. Mas o
que pode fazer um ser humano que se sente mulher, age como mulher, pensa como
mulher mas nasceu homem, e o Estado crê que não pode dar-lhe a identidade com
que se reconhece, porque é o Estado que nos dá a identidade, e esta é definida
pelo sexo genético, que muitas vezes não faz o menor sentido.
Sim,
e muitas vezes temos o oposto, humanos que nasceram femininos mas que são
homens e ficam à margem, marginalizados na acepção mais correta do termo, de
toda a sociedade, olhados, percebidos, encarados como aberrações.
Por
óbvio que tráfico de seres humanos não se confunde com prostituição voluntária.
O primeiro é um crime contra a liberdade, é a coisificação do humano. A segunda
é muitas vezes, na grande maioria das vezes, uma condição de marginalização que
permite a sobrevivência. E também há casos de exercício da liberdade de ser, de
existir como profissional do sexo!
A
decisão de ser prostituta não é moralmente condenável, na medida em que não
constitui ameaça a ninguém, que não fere a liberdade de ninguém e apenas põe em
risco casamentos, onde mulheres ou homens se desinteressam pelo sexo e
empobrecem a necessária relação de união, de prazer e de intimidade que são
absolutamente necessárias para a construção de um espaço de amor!
Há
ainda como lembra João Pereira Coutinho o fato de que a prostituição não é
apenas a mais velha profissão do mundo mas, como alertava o sábio Nelson Rodrigues,
é também a mais velha vocação.
Não
cabe ao Estado regular a atividade da prostituição como se fosse mais um
negócio entre vários outros porque ela carrega dentro de si um complexo sistema
de marginalização e de destruição do valor da pessoa humana. Deve permitir que
a sociedade buscasse alternativas de inclusão social, busque permitir que as
pessoas assumam sua condição de acordo com sua identidade o que por si só,
diminuiria a prostituição. Por que quem pode ser artista, quem pode ser
costureira, quem pode ser manicure, quem pode ser cabeleireira, advogada, médica,
sem ter que esconder sua carteira de identidade absolutamente alienígena, pode
ser o que quiser, não é mesmo?
Não
concordo que tenhamos que tolerar a prostituição, não! Temos é que respeitá-la
entendermos suas razões de aparecimento, lutar para que ela seja tão e
exclusivamente o possível uma escolha pessoal, totalmente independente de
condições sociais que a imponham como uma sina, como ocorre hoje com mulheres
pobres e transgêneros, mas não é o caso das belas acompanhantes universitárias!
A
hipocrisia, como lembra o colunista e como dizia um francês ilustre, é a
homenagem que o vício presta à virtude. E por isso, não posso de forma alguma
defendê-la.
Posso
ser acusado de tudo, mas nunca de hipócrita, porque tal é a negação do humano,
demasiado humano que nos faz pugnar, todo o tempo, por uma SOCIEDADE SEM
PRECONCEITOS!
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