Dois amigos se
encontram. Não se viam a muito e como todo bom encontro masculino, começou com
estridentes tapas nas costas, xingamentos vários, depreciações e farto sorriso!
Mas os dois estavam
ali, sem saber exatamente o que fazer, num encontro inesperado, não marcado,
mas acontecido. Falaram sobre futebol. Um era flamenguista, o outro são
paulino, o que fazia com que irremediavelmente a conversa descambasse para uma
cordial guerra de trincheiras. Resolveram tomar uma cerveja. Discutiram sobre a
marca, apesar de nenhum dos dois ser sequer um bom bebedor. Mas se não
discutissem, não seriam homens que se encontravam!
A cada mulher bela
que passava, olhares gulosos e comentários incorretos, que só os homens
compreendem, porque as mulheres são sim, nossos objetos de desejo que ficam no
topo da lista, coisa que elas repudiam, coisa que elas se deliciam.
Mas ambos eram
casados, um com sua primeira mulher, muito fina, elegante, com todas as prendas
domésticas e profissionais desejáveis, o problema é, que como toda mulher,
acredita que o sexo após o casamento é assessório, e pior, um assessório que
enferruja e quanto mais enferrujado melhor!
O outro havia casado
e se separado muitas vezes, agora tinha uma jovem esposa, que tresloucada,
enchia sua vida de problemas e de satisfações.
Ambos absolutamente
satisfeitos com suas vidas, e suas vidas absolutamente despidas de sentido como
são as vidas de todos os humanos. De repente, um deles exclama:
- Que belo dia para
se viver!
O outro, que já havia
vivido várias vidas, porque cada mulher é uma vida, suspira mais concentrado e
perplexo com seus sentimentos:
- Que belo dia para
se morrer!
Um silêncio sepulcral
desce como a cortina de um vetusto e grande teatro sobre a conversa e o destino
dos dois amigos. O que disse que o dia era belo para se viver ficou
profundamente perturbado, não conseguia fazer qualquer interpretação possível
da afirmação do outro, a não ser que este estivesse deprimido, abatido ou
qualquer coisa assim, coisa que não lhe parecia ser o caso. Após alguns
instantes de silêncio sepulcral, silêncio este só possível quando a mesa só tem
homens, porque as mulheres não conseguem conviver com o silêncio umas diante
das outras, ele hesitou, mas conseguiu sair de sua condição de estupor e
perguntar ao outro, que olha distante, através dele e de seus pensamentos, como
a procurar um sentido onde nenhum sentido existe, e assim falou:
- Amigo, por que você
crê que hoje é um belo dia para se morrer? A morte é a negação de tudo que é
belo e bom e que se constrói neste encontro que se dá agora! Olhe quantas
mulheres lindas, o céu, o mar, a vida, tudo isso é negado pela morte! Está
acontecendo alguma coisa contigo?
Ao que, saindo de seu
estupor, o amigo num largo sorriso responde:
- Hoje é um belo dia
para se morrer, porque simplesmente o maior êxito que podemos ter em nossas
vidas é morrer felizes. A morte é uma absoluta certeza, e o que você disse que
ela é a negação do tudo quanto afirma belo, não resiste a uma única observação.
A vida não tem qualquer sentido, nenhuma razão, qualquer desiderato metafísico
ou escatológico! A vida é o que é, um dado absolutamente aleatório e sem
sentido, daí que, qualquer dia e todos os dias são bons para se morrer, mas o
dia em que estamos plenos de felicidade, que encontramos no outro um motivo de
admiração, prazer e amor, este sim é um dia belo para morrer, porque neste
momento a humanidade ganha um brilho que esconde para nós, todas as torpezas da
miséria, da guerra, da intolerância religiosa! Sim, hoje não é um belo dia para
viver, porque viver é uma contingência, mas é sim, um belo dia para morrer! A
questão é, não quero morrer agora, nem amanhã, ou depois de amanhã, ou em
qualquer tempo que possa imaginar, quero morrer quando necessário seja que
isto aconteça, até lá, quero amar o mundo, como ele é, as pessoas como elas
são, quero esquecer que religião, sexo e política dividem, quero acreditar que
entre eu e você há apenas uma razão de existir, poder beber, desejar as
mulheres, e esquecer que temos de incansavelmente pagar impostos para que
outros se apropriem do nosso mérito e do nosso esforço, apenas e tão somente
para nos dividir entre pobres e ricos, pretos e brancos, petistas e tucanos! Não,
hoje é um belo dia para morrer, porque você me fez apenas pensar em qual
cerveja eu queria tomar, e qual a mulher mais bela com a qual flertamos! O belo
só pode vir do necessário, e necessário é morrer, viver não é preciso!
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