Espaço de sentir e pensar de Laércio Lopes de Araujo

domingo, 29 de dezembro de 2013

O Leitor




Vivia em uma situação de premência diária. Passou a acordar as 5h30 para permitir-se algumas horas de leitura por dia. Mas isso ainda não o satisfazia!
Recordava que há alguns anos, desenvolvera uma paixão especial por Buenos Aires. Quando lá desembarcou, o que mais lhe chamara a atenção era que nos parques, no metrô, nos autocarros, nas calçadas, sempre havia um jovem, um homem ou uma mulher de meia idade ou velhos lendo.
Impressionara-o o fato de que assim como nas cidades brasileiras há uma farmácia em cada esquina, na cidade portenha há uma livraria em cada esquina. Era o paraíso.
Quando no ensino médio, que fizera na escola profissionalizante pública, que não o profissionalizara para nada, mas que lhe fizera perder parte da educação clássica convencional, por inspiração dos iluminados regimes militares sul-americanos, economizava o dinheiro da passagem de ônibus para fazer a aquisição de livros na rua principal de sua cidade!
Foi nestes dias que se apaixonara por Drummond, Voltaire, Hugo, Scott, Russerl, Wells, Dumas pai e filho, Machado de Assis, Aluísio de Azevedo e tantos outros. Consumia horas lendo, e guardava seus livros como relíquias, nunca tendo se desfeito de qualquer um!
Embrenhou-se em Duby, le Goff, Braudel, Hobsbawn na década de 70 e 80. Todo tempo “livre” era tempo de leitura!
Com o tempo, o espaço que os livros ocupam em sua vida, passou a ser mais um problema a ser equacionado, muitas vezes se perguntou se teria de dormir sobre eles, com eles ou enfim neles.
Caminhava sempre, de forma livre, porque tinha à mão indefectivelmente um livro. O livro como companheiro, como escudo, como arma contra a ignorância, a intolerância e a arbitrariedade!
Encontrou livros bons, outros nem tanto, mas sempre defendeu a sua publicação, na medida em que, censurar um livro era um atentado de lesa humanidade, sem nenhum motivo que justificasse um atenuante.
Ficou sabendo mesmo de certa biografia de um político famoso e condenado, para o bem e para o mal, chamado José Dirceu, que era uma biografia caricata, absurda, indecorosa.
Porém, o tal político nunca procurou censurá-la como o desejavam fazer artistas do país, em nome de uma privacidade que era seletiva, já que o que lhes aproveitava era de sobejo escancarado nas revistas de fofoca populares. Isto apenas acentua sua má consciência pública, a que todo artista deveria atentar para não ser exemplo de arbitrariedade!
Amava os livros!
Certo dia, saiu com um sob o braço e incapaz de parar de lê-lo sentou-se na praça e começou a ler.
Ávido pela leitura que lhe absorvia, começou a devorar as páginas, que lhe prendiam cada vez mais e intensamente a atenção! O tempo passava e o simples fato de pensar algo que não fosse ler, o irritava, e assim, afastava imediatamente de seu pensamento nada que não fosse exclusivamente continuar a ler!
As horas se passaram, passaram-se dias, meses, anos, e ele sobre o banco da praça a ler!
Diz-se que, ainda hoje, ao se passar naquela praça, podemos vê-lo lendo, um livro da vida que não se esgota e não se acaba, e sempre que alguém chega perto para perguntar-lhe algo, ou por simples curiosidade, ele volta o rosto, franze a testa, ajeita os óculos e volta a ler.
A pátina do tempo é perceptível em suas roupas da década de 80, seus cabelos que encanecem, sua magreza despretensiosa, mas nada há que lhe retire do estado beatífico de leitor!

Assim, ficou ali pela a eternidade!

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