Espaço de sentir e pensar de Laércio Lopes de Araujo

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Acordar




Acordara um dia com um sentimento vago, incerto de inquietude. Não sabia exatamente o que o afligia, mas ao abrir os olhos, uma angústia abateu-se sobre ele.
Nada havia acontecido de diferente, mas sentia o seu peito oprimido, sem que conseguisse objetivamente determinar o que o afligia.
Vivia numa cidade média, com mais de um milhão de habitantes em um país que sempre se viu como potência do futuro, mas que teimava em não realiza-lo.
Enfim, olhou para o lado direito da cama e viu a doce imagem da esposa a dormir o sono dos justos. Seus belos cabelos negros, a pele clara, os traços delicados, nada faziam supor que era bisneta de escravos. Mas ali estava ela, lânguida, bela, delicada, e nada fazia supor que pudesse ser a causa de sua aflição.
Foi até a porta, pegou o jornal, que surpreendentemente foi entregue antes das 8h00 da manhã. Surpreendente porque o jornal é forma de adquirir informação e cultura, mas que já chega um dia atrasado, e quando chega depois da hora de partir para o trabalho, só pode ser lido ao retornar, o que o torna, por obvio, absolutamente inútil, a não ser por poucos e indispensáveis colunistas e suas análises críticas da realidade verossímil!
Tomou o desjejum e saiu. Ligou o rádio do carro e uma torrente de informações afligiram sua alma, como se fossem discursos dogmáticos, indiscutíveis. Ficou sabendo que um vereador propusera na Câmara a obrigação de informar aos consumidores das coxinhas dos bares a quantidade de calorias, de gorduras trans, cis e que tais, bem como a data em que ela poderia fazer-lhe mal. Outro que queria proibir o cigarro em todos os espaços públicos numa sanha purificadora digna de Torquemada.
De súbito percebeu o motivo de sua perturbação. Vivia num país em que a carga de impostos beirava os 40%, o Estado que se apresentava como o inabalável provedor de todas as necessidades, já havia proibido o fumo em restaurantes para preservar a saúde dos habitantes, fazendo-os agora aglomerarem-se na rua para fumar. Já havia criado a ANVISA para monitorar o que podemos tomar de medicamentos, e quanto ela entra em greve, os medicamentos que nos farão falta.
Um país em que há um judiciário que é a instância última que decide as eleições, várias instâncias de fiscalização cada vez mais distantes do cidadão e completamente à margem do poder Legislativo que em última instância albergaria seus representantes.
Não se pode mais fumar, ou beber, sequer telefonar com celulares em postos de gasolina, porque estupidamente se presume que o Posto de combustível vá explodir se assim o fizermos.
Um Estado que cobra o mesmo percentual de imposto sobre a propriedade de veículos de um sujeito que anda com uma Pajero Full e outro que anda com um humilde Fiat Mille.
Uma população que inculta, acreditava no Poder Público quando este afirmava que mais pena diminui a criminalidade, mas que não percebe que dar carona em dia de eleição pode te mandar para a cadeia por 4 a 6 anos, mas o sujeito que atropela a criança em cima da calçada terá pena de 2 a 4 anos!
O que lhe oprimia o peito, o que lhe pesou na alma ao acordar era perceber que o Estado em que vivia, se multiplicava em benefício próprio, multiplicando-se tenazmente para dominar todos os aspectos da sua vida, e até para determinar em quem poderia ele votar ou não.
Descobriu que o que o oprimia nada mais era do que um Estado tentacular, que tudo podia, que tudo fazia, impedindo que as pessoas pudessem regular-se por seus próprios desejos e opiniões.
Descobriu que tudo isso só valia para ele, e para 90% da população, porque estes eram os objetos últimos das proibições, das punições e das cobranças de impostos, porque os 10% mais ricos, nem se importavam com o Estado.
Descobriu que não havia policiamento competente porque as empresas de segurança eram as maiores financiadoras das campanhas dos políticos, e que as leis eleitorais eram verdadeiros cipoais que buscavam liquidar as chances daqueles que não tinham padrinhos nos governos estaduais e federal.
Descobriu que, sua única arma, o voto, o seu, e o de todos que se sentem oprimidos é forma solitária de resistência, e que o estímulo ao voto em branco e ao voto nulo eram formas de perpetuação do status quo, travestidos do bom mocismo da ficha limpa!
Resolveu beliscar-se, chacoalhar-se, atirar-se numa tina de água fria, para ver se era possível acordar do pesadelo!
Mas então percebeu, que a opressão que sentia no peito nada mais era que o pesadelo de viver a cada dia a realidade sufocante de um Estado opressor, que quanto mais gigante maior a angustia que lhe toldava o peito, e que tornava irrespirável o ar que tinha direito de respirar, por ser livre, por ser apenas e tão somente alguém que gostaria de poder escolher, por si mesmo, o que lhe faz bem e o que lhe poderia fazer mal!
O que lhe sufocava era ter trocado a opressão da igreja, pela opressão do Estado, este muito pior, porque em nome do bem público lhe prometia castigos ominosos, sem que a ele nada mais restasse que defender-se, de forma angustiante, de um Estado que ele mesmo, lhe dizia como deveria fazê-lo!
Acordar...

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