Espaço de sentir e pensar de Laércio Lopes de Araujo

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Silêncio






Saí de uma sessão de cinema, fiquei imensamente perturbado porque em toda a projeção não houvera uma música, um som, que não aqueles decorrentes da própria cena, o diálogo entre os personagens, a redução da compreensão ao mínimo que se oferece.
Perturbou-me o fato de que a fé pudesse levar homens a seus limites, que crer na verdade escatológica do advento pode ter mudado a existência de homens que voluntariamente se colocaram em holocausto.
As imagens permanecem na mente, e se repetem exaustivamente, num conjunto de ondas que vêm trazendo novas interpretações e vão levando angústias que se desfazem sobre a areia como bolhas no mar.
Silêncio! É um estado beatífico que não conseguimos encontrar, que nos é negado nestas imensas cidades onde nos aglomeramos e onde é impossível sentar consigo e ouvir nosso coração contra a caixa torácica.
Escutamos, muito raramente o pulsar da artéria temporal sobre o travesseiro, e nos assaltam as imagens de batalhões de soldados de chumbo a marchar no interior do travesseiro para batalhas onde, entre mortos e feridos, todos são salvos para que em outro dia, em outro lugar, tudo possa se dar novamente.
E o silencio do filme é perturbador, porque não o encontramos de maneira fácil, não nos é dado um momento de repouso e de reflexão, não há como escapar das inúmeras experiências dolorosas de ouvir aquilo que não queremos saber, compreender, participar.
As casas não são mais silenciosas, a onipresença de aparelhos eletrônicos com seus imensos artifícios de interação, para que não esqueçamos que a tecnologia move, contra nós, finas teias de aprisionamento, não nos deixam silenciar, não nos deixam monologar com nossos desejos e sofrimentos.
É doloroso não conseguirmos ter momentos de beatífico silêncio na intimidade do outro, olhando no fundo dos olhos, colados pele e pele, cheiros, gostos, intimidade. Como ansiamos por momentos que dizem mais do que todas as palavras ditas ou escritas, e como esses nos são negados.
Como precisamos do silêncio para que a leitura se faça inteira, para que aquilo que jorra do papel efetivamente encontre seu leito para o mais fundo de nós! Como precisamos do silêncio para embarcar numa viagem ao mais fundo da alma daquele que existe comigo, no espaço da cama que apenas sustenta nossos corpos, que apenas serve de limite para um Universo imaginado, e que é todo o espaço desejado para o ato de amar!
O silêncio é verdadeira sublimidade e é sentido no ato e logo após o amar, e como é fugidio, como é poderoso, como é capaz de resumir toda uma existência nas palavras não ditas.
Saí da sessão de cinema perturbado pelo silêncio durante toda a fita, mas o silêncio não saiu de mim, permanece comigo, e cresce, sempre mais, devora-me as entranhas, altera minha percepção de humanidade, faz-me desesperadamente desejar o silêncio, tão mais próximo quanto mais desejado, do outro.
O silêncio é um poderoso discurso que acentua a compreensão da incapacidade de nossos pulmões de gritar ao mundo nossos sentimentos. O silêncio é o redentor que nos salva dos infernos dantescos em que transformamos nossas cidades.
O silêncio é necessidade imperiosa para que se permita um mínimo de sanidade num mundo completamente ensandecido pelo ruído, pela máquina e pelo desatino do ter.
Silêncio!

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