Espaço de sentir e pensar de Laércio Lopes de Araujo

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Uma palavra feia: Eugenia.




No dia de hoje Luiz Felipe Pondé na FOLHA nos brinda com um texto a que dá o título “A palavra feia”. Ao lermos o seu texto recuperamos o motivo, a palavra Eugenia.
Eugenia é palavra adaptada do grego no final do século XIX pelo cientista inglês Francis Galton para descrever um método científico que se aplica na busca de uma melhora da herança genética da humanidade. Tal busca é ilustrada de forma brilhante no romance “O Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley.
A palavra ainda se aplica ao movimento social que buscou popularizar os princípios e práticas da ciência no meio social.
Como consequência e reflexo do pensamento racionalista dos séculos XVIII e XIX, desfrutou de amplo apoio nos círculos liberais e conservadores de muitos países, notadamente da Suécia e Estados Unidos, até que foi apropriada pelo regime nacional-socialista alemão, que levou ao paroxismo a aplicação de seus princípios, e que levou ao surgimento de uma eugenia racista, cujos crimes ainda hoje lembramos.
Curiosamente, após a Segunda Guerra Mundial e as nefastas consequências da aplicação irrefletida e criminosa de seus conceitos, hoje leis eugênicas continuam vigentes apenas em espaços restritos da China comunista.
Inicialmente a preocupação da Eugenia era com os custos crescentemente elevados para a sociedade do custeio de tratamento de doentes mentais, retardos e degenerações morais. Tal levou a uma política de esterilização em massa destes portadores de doenças e comportamentos indesejáveis, que só nos Estados Unidos antes dos anos 40 chegou ao número de 60 mil indivíduos compulsoriamente esterilizados. A Alemanha nacional-socialista criou tribunais especiais de saúde e eugenia que ordenaram a esterilização de aproximadamente 500 mil pessoas portadoras, ou assim consideradas, de deformidades físicas, retardos mentais, esquizofrenia, epilepsia e outras doenças.
Ora, ao tocar na palavra feia, Pondé esclarece em seu texto que a “Eugenia quer dizer criar jovens belos, bons e perfeitos. Esta controvérsia chegou até nós e ficou conhecida com o título do livro causador dela, "Regras para o Parque Humano", publicado entre nós pela editora Estação Liberdade. "Parque Humano" aqui significa parque num sentido quase zoológico”.
Esclarece o colunista que esta peça filosófica de Sloterdijk atribuía o projeto eugênico ocidental a Platão principalmente n´"A República", e que se tal projeto não deu certo nas engenharias político-sociais utópicas modernas e também teve insucesso na educação formal, estaria dando certo na biotecnologia e nas tecnologias de otimização da saúde.
Ocorre que o desenvolvimento da biotecnologia e das tecnologias de otimização da saúde não têm como escopo primário melhorar a herança genética. Procuram antes disso dar ao indivíduo uma escolha, uma possibilidade de evitar ou corrigir algo que a natureza, exatamente por não ser concebida por ninguém,provoca por ser absolutamente cega em seus desígnios.
Não concordo absolutamente que “academias de ginástica, consultoras em nutrição, espiritualidades narcísicas ao portador (como a Nova Era e sua salada de budismo, decoração de interiores e física quântica), cirurgias e tratamentos estéticos, checkups anuais, ambulatórios de qualidade de vida, pré-natal genético e interrupção aconselhada da gravidez de fetos indesejáveis sejam eugenia”.
Principalmente no que tange ao caso da gravidez indesejável, a escolha é sempre dolorosa, nunca está relacionada em princípio a uma melhora da herança genética. Confundir a perturbadora e sofrida interrupção voluntária da gravidez com eugenia é um grave erro epistemológico. Mesmo no caso de fetos indesejáveis, como no caso da interrupção de um feto com Síndrome de Down, a escolha dos pais se dá dentro de todo um contexto de intenso sofrimento, e mais que tudo, do reconhecimento da incapacidade de poder dar conta de uma realidade que lhes traria um desgaste emocional e afetivo do qual não podem dar conta, ou não querem, mas está muito longe de ser eugenia.
Outro aspecto relevante com a palavra feia e seu contexto é que ela estava ligada a ações involuntárias, onde o Estado determinava uma política de melhora da herança genética, em perigosos precedentes de extermínio e de escolha de seleção de pessoas. Isto é inaceitável, dizer que escolhas voluntárias, absolutamente determinadas pelas necessidades afetivas, econômicas e sociais do indivíduo possam ter qualquer semelhança com imposições legais de um Estado pantagruélico, não faz sentido algum. A escolha não pode ser determinação legal.
Não creio que haja um impulso eugênico, o que há é um desenvolvimento tecnológico que ultrapassou em muito nossas necessidades e que nos permite avaliar a vida sob pontos de vista nunca imaginados. Permite-nos avaliar a propriedade de quanto sofrimento é possível suportar, sem que o preço por isso seja demasiado para a fragilidade de nossa humanidade.
Não, Eugenia é uma prática intolerável, porque admitida como forma de avaliação da condição humana, alheia ao humano nela inserido. Dizer que uma vida é desnecessária porque não se realizará socialmente é Eugenia em sua forma mais perversa.
Permitir que uma mãe interrompa a gravidez de um feto que não tem a menor possibilidade de vida humana, de viabilidade, é reconhecer que o sofrimento desta mulher, sua tristeza, sua exposição ao desamor e ao abandono, são muito cruéis, são indecorosos, e a sociedade não pode se dar ao luxo de obrigar, por quaisquer que sejam os valores morais e religiosos esgrimidos, impor a dor lacerante a quem, em última análise é responsável por toda a vida humana neste planeta.
A escolha da mulher quanto à sua gravidez é o mínimo que os homens podem conceder para agradecer cada mulher que ao conceber, dão sua vida, seu corpo, sua existência para perpetuar a espécie, para fazer deste mundo algo melhor. Tal se dá ainda e sempre quando a mulher por amor oferece seu seio para que uma nova vida se realize!

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