Espaço de sentir e pensar de Laércio Lopes de Araujo

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Médicos não são garotos propaganda!

Com toda a vênia e consideração que temos pelo Dr. Cid Velloso, que recentemente escreveu na sessão Tendência e Debates da Folha, a edição de mais um novo Código de Ética Médica não é saudada com unanimidade, mas com desconhecimento, até certo desprezo, já que o hábito de produzir normas, é febre no país, toda ela marcada pelo oportunismo e pela falta de discussão.

A recente decisão de emendar o diploma normativo regulador da profissão, não foi mais que o reconhecimento fático de uma realidade existente, que ao contrário do douto colunista, não consideramos nefasta mas, bem-vinda.

A redação anterior do artigo 69 do novel Código de 2010, era concessão à mídia que entende indigna a relação dos médicos com os laboratórios. Ora, será que já nos perguntamos quantos nomes fantasias para medicamentos há? Estamos numa sociedade capitalista, há que se alcançar de alguma forma o Mercado, assim, a indústria farmacêutica investe em propaganda, onde cria inúmeros empregos, contrata representantes que visitam os médicos, que sustentam suas famílias, que mantém informados médicos que muitas vezes trabalham 10 ou 12 horas por dia para dar uma vida digna aos seus.

Discordamos, do ponto de vista assinalado, porque a emenda não é uma lamentável concessão à pressão de malvados laboratórios, mas o reconhecimento de uma necessidade, o reconhecimento da força do Mercado. Receber passagens e hotel para viajar e participar de congressos não é, nem nunca será para o médico ético e competente, uma relação indigna. Imputar isso aos profissionais, é fazer um juízo apressado e a priori, indigno de um ex-reitor de uma grande Universidade.

Como diria Voltaire, posso ser radicalmente contra o afirmado pelo Dr. Cid Velloso, mas devo defender-lhe o direito de dizê-lo, no entanto, não podemos silenciar, há que se mostrar o que está por traz das razões esgrimidas pelo articulista, vejamos:

Ter o médico uma remuneração digna, “em geral”, é uma afirmação despida de realidade fática, hoje a proletarização da medicina, faz com que haja profissionais recebendo até três salaries mínimos, o que está longe de ser digno! Mais, a proliferação de faculdades de medicina, com o consequente decréscimo da qualidade de ensino, têm trazido ao Mercado profissionais despreparados, ávidos por qualquer remuneração, sob a pressão da sociedade e de seus familiares por sucesso. Isto sim, pode levar a comportamentos de ética duvidosa, e nunca receber claramente e abertamente incentivo para o  acompanhamento de congressos.

Afirmar, que os médicos não direcionam suas prescrições é ingenuidade, mas elas são direcionadas não apenas pelos espelhinhos e miçangas que recebem, mas muito mais pelo contato humano com o representante, com a atenção que recebem mas, muito mais relevante, com o efeito da medicação e a confiança que têm no laboratório que propaga a marca. Há muita diferença de qualidade entre os laboratórios, o motivo da diferença de preço das marcas. Receber viagens gratuitas, a não ser para os desesperados, nunca foi critério para prescrição.

Por óbvio, laboratórios buscam fidelidade comercial, são empresas que visam lucro, têm acionistas, precisam pagar empresas de mídia, representantes e desenvolvimento de novos produtos, ora, ingenuidade e desfaçatez é induzir o leitor a crer que isso seja pecado. Insensato é esperar que vivamos no mundo de Pollyanna.

Sim, quem vai pagar a passagem do médico, a conta do hotel, o salário do representante, a empresa de propaganda, o laboratório de desenvolvimento de novas drogas, é o paciente, que infelizmente é o consumidor. Crueldade inominável não é isso, até porque ainda há o lucro dos acionistas, mas o remédio só existe e chega a ser prescrito por tudo isso. Crueldade é perceber que sobre o medicamento no Brasil há mais de 38% de impostos, e contra isso não nos insurgimos, por quê?

Acertou o Conselho Federal de Medicina em rever o artigo 69, faltou-lhe coragem para reconhecer o erro e admitir, que não foi pressão dos laboratórios, mas a simples constatação da realidade. Retornar ao texto original seria um retrocesso inominado, uma homenagem que o vício do bom mocismo e do politicamente correto, presta à virtude de quem age às claras, sabendo quem e o que recebe para exercer com dignidade sua profissão. Conflitos de interesse estão na retenção de resoluções dos órgãos públicos responsáveis, que demoram a liberar medicamentos da carga de impostos brutal, e sua inclusão nas listas de medicamentos do SUS. Conflitos de interesse está na vergonhosa proibição de se conceder medicamentos no SUS a quem não foi atendido por médico do serviço público. Quem se revoltará contra estas insensatezes?

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