Um dos valores mais caros ao Estado Democrático de
Direito é o da imparcialidade do juiz. Do Estado Juiz, presentado pelo
magistrado, sempre e quando houver lide, sempre e quando houver motivos para a
manifestação do poder de dizer a lei.
O princípio da imparcialidade da jurisdição está
intrinsecamente relacionado aos valores que informam o ordenamento processual
brasileiro. Como princípio é o que deve servir de critério para a exata compreensão
e inteligência da lógica e da racionalidade do sistema normativo, como
preceitua o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello.
Quando a corregedora do CNJ sai a público enxovalhando a
dignidade de juízes e desembargadores, quando, sem se colocar num
posicionamento equitativo entre os valores em conflito, sem nem mesmo ter poder
jurisdicional, tem-se presente que sua imparcialidade está completamente
comprometida, que sua busca pela verdade, não é busca, é o que conhecemos por
“caça às bruxas”, é inquisição, é exposição pública da honorabilidade dos
“inspecionados”.
Ora, se minimamente, por razão de coerência, nenhum
magistrado ao cumprir com o seu dever de justiça, pode defender interesses
pessoais em sua ação. No caso há que constatar-se que a corregedora do CNJ não
tem mais qualquer possibilidade de desenvolver seu trabalho com imparcialidade.
A sua notoriedade pública, midiática, toldam seu trabalho, maculam suas
decisões, tornam suas atividades, mero apanágio de uma vaidade sem medidas, que
apenas acendem na imaginação popular, o descrédito por um dos poderes do
Estado.
O CNJ, que nasce já com uma doença congênita, qual seja,
fiscalizar o órgão prestador da justiça, quando tal, deveria ser observado pelo
próprio Poder, no exercício de sua soberania, torna-se o agente do descrédito
do Poder que fiscaliza. A quem interessa tal descrédito? A quem interessa que o
judiciário deixe de julgar e se preocupe com produção e com suas entranhas?
A mídia tem mantido reiteradamente uma unanimidade
burra, como diria Nelson Rodrigues no incensamento ao CNJ, de maneira acrítica.
Os repórteres na vã expectativa de ganhar notoriedade nas páginas dos grandes
jornais, não deixam de abrir espaço para uma juíza que, como entendemos, perdeu
completamente a imparcialidade, e parece se acreditar a nova Torquemada do
século XXI. A justiceira, figura comum na cultura que insiste em se impor no
Brasil, como a forma correta de corrigir desmandos e irregularidades.
No pensamento do justiceiro temos uma premissa: “A Lei,
ora a Lei, ela é incapaz de resolver os problemas porque feita pelas elites
para as elites”, como consequência, não há que guardar silêncio e respeito pela
função pública que desempenha, ou pela dignidade de um dos tribunais mais
importantes do país.
Temos de ser ativos, e daí, entendemos que a corregedora
age com intenso ativismo judicial, quando ocupa um mero cargo administrativo
que deveria, em princípio, apurar se há ou não irregularidades na atuação de
magistrados.
Crer, ingenuamente, na neutralidade da exposição
midiática e dos discursos inflamados e explosivos da corregedora do CNJ é
desconhecer, ou fazer-se de ouvidos moucos, à verdade que toda atuação é
política, que a sua própria função é política.
A exposição a que estão sendo submetidos os juízes do TJ
de São Paulo é indigna da tradição jurídica brasileira, é desserviço ao povo
brasileiro, é a negação da imparcialidade, da dignidade da Justiça.
Um corregedor é, antes de tudo, o trabalhador silencioso
que busca a verdade, é o igual, imparcial, que busca resgatar a dignidade
maculada pela atuação venal, pela atuação que possa trazer descrédito ao Poder
a que servem os juízes. Não é um âncora de programa de auditório, não fala para
as câmeras, não busca notoriedade em frases feitas e fáceis, não divulga a natureza,
o tempo e a profundidade de seus trabalhos, porque são trabalhos que não buscam
notoriedade, são trabalhos que buscam a preservação e o resgate da dignidade da
judicatura.
Como leciona Márcio Puggina: “ Nenhum
cientista político, com um mínimo
de seriedade, ousaria afirmar que os membros do Poder Judiciário são
apolíticos. Isto soaria tão absurdo quanto a ciência afirmar que os religiosos,
aos quais se impõe o dever da castidade, são assexuados.”
Assim, sabendo que o Judiciário não é apolítico, que a
corregedora do CNJ ao expor a magistratura, busca a construção de um espaço
midiático e político de incensamento pessoal, pergunta-se: o que faz com que os
jornais brasileiros tenham se tornado os puxadores de palmas do programa de
auditório, protagonizado por quem deveria ser, por princípio e por obrigação, a
mais discreta das autoridades?
O ataque ao Estado Democrático de Direito começa por
boas intenções e sempre termina do mesmo jeito: sob o salto das botas dos que,
por não terem canetas amparadas pela lei, têm as armas para impor o arbítrio.
Quem viveu, já viu! Quem viver, verá!
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