No dia de hoje Luiz Felipe Pondé na FOLHA nos brinda com um texto
a que dá o título “A palavra feia”. Ao lermos o seu texto recuperamos o motivo,
a palavra Eugenia.
Eugenia é palavra adaptada do grego no final do século XIX pelo cientista
inglês Francis Galton para descrever um método científico que se aplica na
busca de uma melhora da herança genética da humanidade. Tal busca é ilustrada
de forma brilhante no romance “O Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley.
A palavra ainda se aplica ao movimento social que buscou
popularizar os princípios e práticas da ciência no meio social.
Como consequência e reflexo do pensamento racionalista dos séculos
XVIII e XIX, desfrutou de amplo apoio nos círculos liberais e conservadores de
muitos países, notadamente da Suécia e Estados Unidos, até que foi apropriada
pelo regime nacional-socialista alemão, que levou ao paroxismo a aplicação de
seus princípios, e que levou ao surgimento de uma eugenia racista, cujos crimes
ainda hoje lembramos.
Curiosamente, após a Segunda Guerra Mundial e as nefastas
consequências da aplicação irrefletida e criminosa de seus conceitos, hoje leis
eugênicas continuam vigentes apenas em espaços restritos da China comunista.
Inicialmente a preocupação da Eugenia era com os custos
crescentemente elevados para a sociedade do custeio de tratamento de doentes
mentais, retardos e degenerações morais. Tal levou a uma política de
esterilização em massa destes portadores de doenças e comportamentos
indesejáveis, que só nos Estados Unidos antes dos anos 40 chegou ao número de
60 mil indivíduos compulsoriamente esterilizados. A Alemanha
nacional-socialista criou tribunais especiais de saúde e eugenia que ordenaram
a esterilização de aproximadamente 500 mil pessoas portadoras, ou assim
consideradas, de deformidades físicas, retardos mentais, esquizofrenia,
epilepsia e outras doenças.
Ora, ao tocar na palavra feia, Pondé esclarece em seu texto que a “Eugenia
quer dizer criar jovens belos, bons e perfeitos. Esta controvérsia chegou até
nós e ficou conhecida com o título do livro causador dela, "Regras para o
Parque Humano", publicado entre nós pela editora Estação Liberdade.
"Parque Humano" aqui significa parque num sentido quase zoológico”.
Esclarece o colunista que esta peça filosófica de Sloterdijk atribuía
o projeto eugênico ocidental a Platão principalmente n´"A República",
e que se tal projeto não deu certo nas engenharias político-sociais utópicas
modernas e também teve insucesso na educação formal, estaria dando certo na
biotecnologia e nas tecnologias de otimização da saúde.
Ocorre que o desenvolvimento da biotecnologia e das tecnologias de
otimização da saúde não têm como escopo primário melhorar a herança genética. Procuram
antes disso dar ao indivíduo uma escolha, uma possibilidade de evitar ou
corrigir algo que a natureza, exatamente por não ser concebida por
ninguém,provoca por ser absolutamente cega em seus desígnios.
Não concordo absolutamente que “academias de ginástica,
consultoras em nutrição, espiritualidades narcísicas ao portador (como a Nova
Era e sua salada de budismo, decoração de interiores e física quântica),
cirurgias e tratamentos estéticos, checkups anuais, ambulatórios de qualidade
de vida, pré-natal genético e interrupção aconselhada da gravidez de fetos
indesejáveis sejam eugenia”.
Principalmente no que tange ao caso da gravidez indesejável, a
escolha é sempre dolorosa, nunca está relacionada em princípio a uma melhora da
herança genética. Confundir a perturbadora e sofrida interrupção voluntária da
gravidez com eugenia é um grave erro epistemológico. Mesmo no caso de fetos
indesejáveis, como no caso da interrupção de um feto com Síndrome de Down, a
escolha dos pais se dá dentro de todo um contexto de intenso sofrimento, e mais
que tudo, do reconhecimento da incapacidade de poder dar conta de uma realidade
que lhes traria um desgaste emocional e afetivo do qual não podem dar conta, ou
não querem, mas está muito longe de ser eugenia.
Outro aspecto relevante com a palavra feia e seu contexto é que
ela estava ligada a ações involuntárias, onde o Estado determinava uma política
de melhora da herança genética, em perigosos precedentes de extermínio e de
escolha de seleção de pessoas. Isto é inaceitável, dizer que escolhas
voluntárias, absolutamente determinadas pelas necessidades afetivas, econômicas
e sociais do indivíduo possam ter qualquer semelhança com imposições legais de
um Estado pantagruélico, não faz sentido algum. A escolha não pode ser determinação legal.
Não creio que haja um impulso eugênico, o que há é um
desenvolvimento tecnológico que ultrapassou em muito nossas necessidades e que
nos permite avaliar a vida sob pontos de vista nunca imaginados. Permite-nos
avaliar a propriedade de quanto sofrimento é possível suportar, sem que o preço
por isso seja demasiado para a fragilidade de nossa humanidade.
Não, Eugenia é uma prática intolerável, porque admitida como forma
de avaliação da condição humana, alheia ao humano nela inserido. Dizer que uma
vida é desnecessária porque não se realizará socialmente é Eugenia em sua forma
mais perversa.
Permitir que uma mãe interrompa a gravidez de um feto que não tem
a menor possibilidade de vida humana, de viabilidade, é reconhecer que o
sofrimento desta mulher, sua tristeza, sua exposição ao desamor e ao abandono,
são muito cruéis, são indecorosos, e a sociedade não pode se dar ao luxo de
obrigar, por quaisquer que sejam os valores morais e religiosos esgrimidos,
impor a dor lacerante a quem, em última análise é responsável por toda a vida
humana neste planeta.
A escolha da mulher quanto à sua gravidez é o mínimo que os homens
podem conceder para agradecer cada mulher que ao conceber, dão sua vida, seu
corpo, sua existência para perpetuar a espécie, para fazer deste mundo algo
melhor. Tal se dá ainda e sempre quando a mulher por amor oferece seu seio para que uma nova vida se realize!
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