Com
toda a vênia e consideração que temos pelo Dr. Cid Velloso, que recentemente escreveu na sessão Tendência e Debates da Folha, a edição de mais um
novo Código de Ética Médica não é saudada com unanimidade, mas com
desconhecimento, até certo desprezo, já que o hábito de produzir normas, é
febre no país, toda ela marcada pelo oportunismo e pela falta de discussão.
A
recente decisão de emendar o diploma normativo regulador da profissão, não foi
mais que o reconhecimento fático de uma realidade existente, que ao contrário do
douto colunista, não consideramos nefasta mas, bem-vinda.
A
redação anterior do artigo 69 do novel Código de 2010, era concessão à mídia
que entende indigna a relação dos médicos com os laboratórios. Ora, será que já
nos perguntamos quantos nomes fantasias para medicamentos há? Estamos numa
sociedade capitalista, há que se alcançar de alguma forma o Mercado, assim, a
indústria farmacêutica investe em propaganda, onde cria inúmeros empregos,
contrata representantes que visitam os médicos, que sustentam suas famílias,
que mantém informados médicos que muitas vezes trabalham 10 ou 12 horas por dia
para dar uma vida digna aos seus.
Discordamos,
do ponto de vista assinalado, porque a emenda não é uma lamentável concessão à
pressão de malvados laboratórios, mas o reconhecimento de uma necessidade, o
reconhecimento da força do Mercado. Receber passagens e hotel para viajar e
participar de congressos não é, nem nunca será para o médico ético e
competente, uma relação indigna. Imputar isso aos profissionais, é fazer um
juízo apressado e a priori, indigno de um ex-reitor de uma grande
Universidade.
Como
diria Voltaire, posso ser radicalmente contra o afirmado pelo Dr. Cid Velloso,
mas devo defender-lhe o direito de dizê-lo, no entanto, não podemos silenciar,
há que se mostrar o que está por traz das razões esgrimidas pelo articulista,
vejamos:
Ter
o médico uma remuneração digna, “em geral”, é uma afirmação despida de
realidade fática, hoje a proletarização da medicina, faz com que haja
profissionais recebendo até três salaries mínimos, o que está longe de ser
digno! Mais, a proliferação de faculdades de medicina, com o consequente
decréscimo da qualidade de ensino, têm trazido ao Mercado profissionais
despreparados, ávidos por qualquer remuneração, sob a pressão da sociedade e de
seus familiares por sucesso. Isto sim, pode levar a comportamentos de ética
duvidosa, e nunca receber claramente e abertamente incentivo para o acompanhamento de congressos.
Afirmar,
que os médicos não direcionam suas prescrições é ingenuidade, mas elas são
direcionadas não apenas pelos espelhinhos e miçangas que recebem, mas muito
mais pelo contato humano com o representante, com a atenção que recebem mas,
muito mais relevante, com o efeito da medicação e a confiança que têm no
laboratório que propaga a marca. Há muita diferença de qualidade entre os
laboratórios, o motivo da diferença de preço das marcas. Receber viagens
gratuitas, a não ser para os desesperados, nunca foi critério para prescrição.
Por
óbvio, laboratórios buscam fidelidade comercial, são empresas que visam lucro,
têm acionistas, precisam pagar empresas de mídia, representantes e
desenvolvimento de novos produtos, ora, ingenuidade e desfaçatez é induzir o
leitor a crer que isso seja pecado. Insensato é esperar que vivamos no mundo de
Pollyanna.
Sim,
quem vai pagar a passagem do médico, a conta do hotel, o salário do
representante, a empresa de propaganda, o laboratório de desenvolvimento de
novas drogas, é o paciente, que infelizmente é o consumidor. Crueldade
inominável não é isso, até porque ainda há o lucro dos acionistas, mas o
remédio só existe e chega a ser prescrito por tudo isso. Crueldade é perceber
que sobre o medicamento no Brasil há mais de 38% de impostos, e contra isso não
nos insurgimos, por quê?
Acertou
o Conselho Federal de Medicina em rever o artigo 69, faltou-lhe coragem para
reconhecer o erro e admitir, que não foi pressão dos laboratórios, mas a
simples constatação da realidade. Retornar ao texto original seria um
retrocesso inominado, uma homenagem que o vício do bom mocismo e do
politicamente correto, presta à virtude de quem age às claras, sabendo quem e o
que recebe para exercer com dignidade sua profissão. Conflitos de interesse
estão na retenção de resoluções dos órgãos públicos responsáveis, que demoram a
liberar medicamentos da carga de impostos brutal, e sua inclusão nas listas de
medicamentos do SUS. Conflitos de interesse está na vergonhosa proibição de se
conceder medicamentos no SUS a quem não foi atendido por médico do serviço
público. Quem se revoltará contra estas insensatezes?
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