Espaço de sentir e pensar de Laércio Lopes de Araujo

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Pena como expiação da Culpa




Na coluna Tendência e Debates da FOLHA de hoje 30 de abril, encontramos um questionamento sobre a lei de janeiro de 2012 que reconhece a humanidade dos detentos da FEBEM, hoje Fundação Casa, e que tem provocado intensas polêmicas no mundo social e jurídico.
Com todo o respeito à dor do Dr. Ari Friedenbach que perdeu sua filha num trágico evento criminoso de 2003, que merece toda a nossa solidariedade, a crítica à lei recentemente editada não é procedente! Em primeiro lugar é curioso notar que no texto do debatedor, como na maioria dos textos editados na Internet sobre a referida lei, seu número é grafado invariavelmente errado. Coisas do cópia e cola da internet.
A Lei 12.594 de janeiro de 2012 no Capítulo VI que trata “Das Visitas a Adolescentes em Cumprimento de Medida de Internação” no seu artigo 68, assim se expressa:

Art. 68.  É assegurado ao adolescente casado ou que viva, comprovadamente, em união estável o direito à visita íntima. 
Parágrafo único.  O visitante será identificado e registrado pela direção do programa de atendimento, que emitirá documento de identificação, pessoal e intransferível, específico para a realização da visita íntima. 

Ora, quando Cesare Beccaria começou a sua cruzada contra a violência nas penas aplicadas àqueles condenados criminalmente e considerou que a privação de liberdade não só seria uma forma menos desumana de penitência, como mais adequada ao objetivo de recuperação do criminoso, ele não vislumbrou a possibilidade de estar propondo as casas de horrores e de degradação moral hoje existentes.
Confunde, em sua dor, o nosso debatedor o fato de que hoje o adolescente já pode votar com 16 anos e ainda não é maior e responsável. É absolutamente incompreensível que se queira impedir um adolescente de ter visita íntima porque este não é maior! O que tem a maioridade civil e penal com o amadurecimento sexual da espécie humana?
O artigo 68 da Lei 12.594/2012 garante a visita íntima, mas não entendo que faça parte do processo de ressocialização. Faz parte do direito humano fundamental de ter direito ao contato com outro humano, de trocar afeto, de querer ser amado, independente do que tenha feito independente do que a sociedade o prive.
Privar o apenado da liberdade já não basta? Será que em nossa necessidade de punir, voltaremos a imaginar mecanismos que estigmatizem, que tornem a vida do criminoso ainda mais abjeta e indesejável, como forma de castigá-lo?
O que vamos esperar do sujeito que tenha cumprido uma pena sem direito a contatos telefônicos, sem direito a liberdade em dias festivos, sem direito a amar quem o deseje? Vamos esperar que este sujeito tenha saído mais sábio da prisão, mais conforme aos desejos de ressocialização de uma sociedade que o quer humilhar, que o quer submeter, que o quer numa vida abjeta para purgar seus pecados?
Não consigo compreender o que uma sociedade ganha impondo penas cada vez mais duras, mais restritivas, mais punitivas. Só o fato de ter que se submeter a uma identificação e a um registro para poder participar do encontro íntimo já é uma situação vexatória ao parceiro que deseja encontrar alguém que ama! Por que ama aquele sujeito? Ora, que direito temos nós de fazer esta pergunta?
Por que julgamos este direito impensável? Por que nós somos cidadãos de bem que nunca estaríamos na situação apresentada? Não, a violência está em nosso raciocínio, está em querermos esterilizar a vida de quem quer que seja vítima de nosso sistema prisional.
Por óbvio não há que perguntar a alguém se concorda que sua filha ou filho vá à Fundação Casa para um encontro íntimo, porque isso seria ainda mais violência. Conceber que em cada encontro haverá uma concepção e por tal novos bebês, é sem dúvidas levar ao paroxismo o nosso desejo de punir, de esterilizar o marginal, de destruir toda sua existência como ser humano, é reconhecer nosso desejo de desumanizar aquele que pelas mais diversas razões, tornou-se objeto de nossa ira.
Ora, muito da discussão passa por considerar a lei que o adolescente infrator tem necessidades de amar, de encontrar sua companheira ou companheiro, mas que isso não o torna penalmente responsável por seus atos. Aqui há também outro equívoco. Ninguém precisa ter maioridade para se tornar sexualmente maduro, aliás, as duas coisas nem sempre, ou quase nunca andam juntas, e seria uma coisa realmente perversa considerar que todo aquele que passar a desejar sexualmente seja considerado apto e responsável para assumir seus atos!
Não é possível confundir tais coisas, não é desejável que se confundam tais coisas, e é uma incoerência, porque recentemente a sociedade se ergueu revoltada quando acertadamente o STJ inocentou de estupro um sujeito, porque as menores de 14 anos já exerciam a prostituição.
Uma sociedade que permite a prostituição de menores de 14 anos, e que julga dever ser elas protegidas pela lei a ponto de incriminar um homem de estupro, quando na realidade ele no máximo é responsável por corrupção de menores e lenocínio, com sua consciência pesada busca esconder fatos que são absolutamente naturais da vida e assim, por que agora quer reconhecer nos menores com prática sexual maturidade e responsabilidade penal?
Acredito que a opinião esposada na FOLHA está muito mais relacionada com a dor infinita de um pai, dor imerecida e por mais que pensada, incompreensível, e por isso em completo descompasso com a realidade e a necessidade de uma sociedade sitiada pela violência e pelo medo. Termina seu texto de forma esclarecedora:

O que propomos é justamente que o menor que se comporta como adulto para manter uma relação estável e também para cometer crimes gravíssimos seja tratado como efetivamente é. Um adultos (sic) responsável pelos seus atos. Seja para o bem ou para o mal!

Ora, ser responsável pelos seus atos numa sociedade justa e solidária, numa sociedade coerente e honesta com seus valores, nunca será para o mal, a não ser que tenhamos como objeto perseguir a vingança e o castigo, e não a reparação e a busca incansável da recuperação daquele que errou!

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