Espaço de sentir e pensar de Laércio Lopes de Araujo

sábado, 21 de abril de 2012

Desencantamento do Mundo



O homem e a mulher quando percebem o descolorido do mundo, o desencantamento de que nos fala Weber, entram naquilo que podemos conceber como um imenso desespero.
Sim, um desespero alucinante, resultado do completo abandono da humanidade por Deus, pelos santos, pelos anjos, pelos demônios, enfim, estamos sós, olhando o vazio. Um vazio assustador, porque reflexo de nosso interior. Temos uma imensa tecnologia, capaz de nos satisfazer as mais mínimas necessidades que não temos, mas, incapaz de preencher nossos vazios.
Quando os humanos, passamos a entender o mundo como externos a nós, quando começamos a dar nomes para as coisas, quando pensamos sobre nossa existência e a existência do outro, a dor de compreender nossa finitude incompleta, aleijada, levou-nos à necessidade de acreditar e buscar deuses.
Deuses para nos ajudar a guardar o fogo, a nos dar fertilidade, garantir-nos a existência, o sol, a água, os frutos, a benevolência de nossos amigos e a fraqueza de nossos inimigos.
Evoluímos no sentido da descoberta de um Deus único, mais conforme às necessidades de unidade, de compromisso entre cada homem e seu semelhante. Tivemos uma religião de imenso sucesso, que escondeu a mensagem de CARIDADE, amor sem limites e MISERICÓRDIA, perdão sem limites, atrás de um belíssimo e maravilhoso edifício de teologia, que, no entanto se esvazia por ser incapaz de perceber que não há nada mais que amor e perdão como necessidade.
Nossa sociedade atormentada com as questões de gênero, de raça, de igualdade, ou seja, atormentada por questões absolutamente estranhas à realidade de nossa existência, sempre sonhou com a possibilidade da transgenia, do hibridismo, que permitem a arte da simulação, arte que se reproduz em cada momento de nossas vidas. O hibridismo como efeito plástico, se revela de maneira esplêndida nas estátuas de hermafroditas, nas obras de Hieronymos Bosch, na literatura de Mary Chelley com Frankenstein.

Como podemos julgar o outro se carregamos dentro de nós tantas e incompreensíveis contradições! O crente fiel, aquele que obedece ao pé da letra os escritos religiosos, sejam eles de qualquer natureza, é um estranho.
Não porque horrível, não porque nefasto, mas porque incompreensível do ponto de vista da existência humana. Nós não temos certezas, não sabemos toda a verdade, nossa violência é reflexo de nossa incapacidade de amar e perdoar sem limites.
Admiro Bosch, como Geiger, porque ao olhar as obras de artes destes atormentados artistas, compreendo o próprio tormento que vivo, o de nada saber, e o de não poder expressar isso de uma maneira que possa ser válida, que possa fazer a todos abdicar da ilusão de saber a verdade!
Não, não sabemos absolutamente nada, e nosso desejo de hibridismo, de transgenia, de multiplicidade se expressa em todos os movimentos que procuram expor para além do que pode ser aceito, do que pode ser tolerado, por uma sociedade excludente, suas feridas, porque amedrontada, porque sitiada por suas fantasias inconfessáveis.
Desencantamos o mundo, perdemo-nos em algum lugar no caminho da construção deste mesmo mundo, que a tecnologia, que a mídia, com sua compreensão da teatralidade podem trazer de volta, com um grande risco. O encantamento não será o resultado da fantasia de todos os humanos em relação, mas de um punhado deles, que creem existirem valores, normas, condutas e comportamentos que devem ser valorizados, repetidos e universalizados.
Temo que Kant ao ser usado no desespero de reencantar o mundo, torne o mundo estranho ao homem e à mulher, e daí, estamos fadados ao fracasso de existir.
Quando vejo uma obra de Bosch entendo que as palavras de ordem operam máquinas de guerra (Deleuze e Guattari, 1995, 1997) rumo a desterritorializações inusitadas agenciadas por vetores dos mais diversos matizes, como físicos, biológicos, técnicos e culturais, que buscam se reterritorializar como diferentes formas sociais, econômicas, políticas e artísticas.
No entanto, tais máquinas de guerra podem estar sendo utilizadas pela maioria, que por maioria, é absolutamente estranha ao humano. A verdade está no UM. Como não há verdade, e o UM é apenas um fragmento do nosso desejo de pertencimento a um mundo mágico e territorial que nos proteja da angústia com certezas dadas, temos de permanecer vigilantes para não contribuir para o aniquilamento da diferença, para não contribuir com a certeza sobre qualquer coisa, porque tal, é a morte da diversidade, é a morte da existência plural, que nos permitiria apenas existir.
Existir apenas para amar! Existir apenas para pensar!

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