O homem e a mulher quando percebem o descolorido do mundo,
o desencantamento de que nos fala Weber, entram naquilo que podemos conceber
como um imenso desespero.
Sim, um desespero alucinante, resultado do completo
abandono da humanidade por Deus, pelos santos, pelos anjos, pelos demônios,
enfim, estamos sós, olhando o vazio. Um vazio assustador, porque reflexo de
nosso interior. Temos uma imensa tecnologia, capaz de nos satisfazer as mais
mínimas necessidades que não temos, mas, incapaz de preencher nossos vazios.
Quando os humanos, passamos a entender o mundo como
externos a nós, quando começamos a dar nomes para as coisas, quando pensamos
sobre nossa existência e a existência do outro, a dor de compreender nossa
finitude incompleta, aleijada, levou-nos à necessidade de acreditar e buscar
deuses.
Deuses para nos ajudar a guardar o fogo, a nos dar
fertilidade, garantir-nos a existência, o sol, a água, os frutos, a
benevolência de nossos amigos e a fraqueza de nossos inimigos.
Evoluímos no sentido da descoberta de um Deus único, mais
conforme às necessidades de unidade, de compromisso entre cada homem e seu
semelhante. Tivemos uma religião de imenso sucesso, que escondeu a mensagem de
CARIDADE, amor sem limites e MISERICÓRDIA, perdão sem limites, atrás de um
belíssimo e maravilhoso edifício de teologia, que, no entanto se esvazia por
ser incapaz de perceber que não há nada mais que amor e perdão como necessidade.
Nossa sociedade atormentada com as questões de gênero, de
raça, de igualdade, ou seja, atormentada por questões absolutamente estranhas à
realidade de nossa existência, sempre sonhou com a possibilidade da transgenia,
do hibridismo, que permitem a arte da simulação, arte que se reproduz em cada
momento de nossas vidas. O hibridismo como efeito plástico, se revela de
maneira esplêndida nas estátuas de hermafroditas, nas obras de Hieronymos
Bosch, na literatura de Mary Chelley com Frankenstein.
Como podemos julgar o outro se carregamos dentro de nós
tantas e incompreensíveis contradições! O crente fiel, aquele que obedece ao pé
da letra os escritos religiosos, sejam eles de qualquer natureza, é um estranho.
Não porque horrível, não porque nefasto, mas porque
incompreensível do ponto de vista da existência humana. Nós não temos certezas,
não sabemos toda a verdade, nossa violência é reflexo de nossa incapacidade de
amar e perdoar sem limites.
Admiro Bosch, como Geiger, porque ao olhar as obras de
artes destes atormentados artistas, compreendo o próprio tormento que vivo, o
de nada saber, e o de não poder expressar isso de uma maneira que possa ser
válida, que possa fazer a todos abdicar da ilusão de saber a verdade!
Não, não sabemos absolutamente nada, e nosso desejo de
hibridismo, de transgenia, de multiplicidade se expressa em todos os movimentos
que procuram expor para além do que pode ser aceito, do que pode ser tolerado,
por uma sociedade excludente, suas feridas, porque amedrontada, porque sitiada
por suas fantasias inconfessáveis.
Desencantamos o mundo, perdemo-nos em algum lugar no
caminho da construção deste mesmo mundo, que a tecnologia, que a mídia, com sua
compreensão da teatralidade podem trazer de volta, com um grande risco. O encantamento
não será o resultado da fantasia de todos os humanos em relação, mas de um
punhado deles, que creem existirem valores, normas, condutas e comportamentos
que devem ser valorizados, repetidos e universalizados.
Temo que Kant ao ser usado no desespero de reencantar o
mundo, torne o mundo estranho ao homem e à mulher, e daí, estamos fadados ao
fracasso de existir.
Quando vejo uma obra de Bosch entendo que as palavras de
ordem operam máquinas de guerra (Deleuze e Guattari, 1995, 1997) rumo a
desterritorializações inusitadas agenciadas por vetores dos mais diversos
matizes, como físicos, biológicos, técnicos e culturais, que buscam se
reterritorializar como diferentes formas sociais, econômicas, políticas e
artísticas.
No entanto, tais máquinas de guerra podem estar sendo
utilizadas pela maioria, que por maioria, é absolutamente estranha ao humano. A
verdade está no UM. Como não há verdade, e o UM é apenas um fragmento do nosso
desejo de pertencimento a um mundo mágico e territorial que nos proteja da
angústia com certezas dadas, temos de permanecer vigilantes para não contribuir
para o aniquilamento da diferença, para não contribuir com a certeza sobre
qualquer coisa, porque tal, é a morte da diversidade, é a morte da existência
plural, que nos permitiria apenas existir.
Existir apenas para amar! Existir apenas para pensar!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sentir, Pensar, Expressar! A Intenet tornou possível a qualquer homem, a qualquer mulher, expressar tão livremente seu pensamento e seus sentimentos, quanto o são em realação ao seu existir! Eis o resultado!